terça-feira, novembro 20, 2007

As Cem Razões de Catarina

Eram 7:40, o que significava dez minutos de atraso para Catarina. Tentava titanicamente tirar os dois filhos gémeos da cama (quantas vezes chorara quando descobrira que eram dois em vez do um que o orçamento planeado ao pormenor podia suportar). As duas crianças irritadas gritavam em uníssono "Não quero ir à escola!". Catarina acabou por conseguir pegar nos dois e enfiá-los na casa de banho (já nem queria saber se se lavavam ou não) e correr até à cozinha onde o leite começara a ferver.
Sentado, sem tirar os olhos do jornal, o seu marido parecia um adereço de decoração inconveniente que viera agarrado à cadeira onde sempre se sentava. Catarina precisava de algum calor humano que lhe desse forças para enfrentar o dia e sugeriu a Tomás deixar os filhos na avó para que os dois pudessem ao menos tomar um café sozinhos, quem sabe ver o mar...
- Sim querida, se queres...
Catarina não podia garantir que Tomás a ouvira, pois nem despregara os olhos do jornal. Aliás, querida parecia ter-se tornado um substituto simples para o seu nome, uma vez que assim ela perdia o estatuto de pessoa para se tornar a mãe dos filhos de Tomás.
Às 8:35 Catarina encostou o carro à porta da escola, para onde os filhos, agora numa agitação gigantesca, correram atrás dos amigos e a deixaram sem qualquer despedida. Ao tirar o carro do estacionamento fez-lhe um risco de uma ponta a outra.
Ao fim de um dia horrível a corrigir erros de quadros superiores da empresa sem um único elogio, Catarina apanhou as crianças na escola, que gritavam a plenos pulmões que não tinham brincado e que ela era má. Cumprindo o plano dessa manhã, Catarina deixou as crianças com a avó:
- Os meus amores- disse a mãe de Catarina. E logo se despediu secamente dela- Estão entregues, até logo.
Parecia a Catarina que já nem a sua mãe entendia que ela continuava a ser humana...sentia-se presa, mas já sem um amor maior que a prendesse a todo o trabalho escravo que a vida da classe média a obrigava...pegou no carro...
Vestida de negro e chorando nos braços de Tomás, a mãe de Catarina gritava poucas horas depois: "Porque fez ela isto? Não percebo. Tinha um emprego, tinha uma família que a amava...porquê que ela não podia ser feliz?"
"A mim nunca me contou..."suspirou Tomás.