sábado, agosto 18, 2007

O Fim da Alma

Post Musicado. Se acabarem de ler antes da música acabar, deixem-na ir até ao fim.

http://www.youtube.com/watch?v=fr66qPYvMQk



Triste de quem é triste,
Porque triste é alma que quer.


Triste daquele que nada tem,
Porque nada quer ter.


TI TI TI TI... TI TI TI TI.... TITITITI

O despertador tocava. Tocava para mais um dia alegre, ao lado de quem mais me queria e ao lado de uma vida que prometia ser grande e farta de sucessos e reconhecimentos. De uma vida que parecia adorar-me. De uma vida a dois.


Olhei para o outro lado da cama. Estava vazio. Onde estaria ele? Ainda nu da noite anterior, levantei-me e caminhei para a casa-de-banho. Também não estava lá. Fui até à cozinha. Também não estava lá.
-Miauuuu. – bocejava a minha gata, contente pela minha existência e estranhamente ainda indiferente e quase revoltada por Bernardo fazer parte da minha vida.

Triste de quem sonhos não tem,
Triste a tristeza falsa

- Mas onde é que ele se meteu?- não sabia. Estava bastante frio naquele dia de Abril. Voltei para a cama e para o quente dos meus lençóis. Foi então que olhei para o calendário do Cadin que me tinha sido oferecido durante um estágio profissional. A verde, lá estava uma bola em torno do dia de hoje, com um grande sorriso ao lado e um “Volto já”. Hoje era dia 25 de Abril, o dia dos meus anos. Quantos fazia? Já nem me lembrava. Que importa a idade quando estamos feliz? O tempo passa a voar e nem nos apercebemos de que estamos a caminhar para a inevitável perda de tudo.

Triste de quem feiamente é feio,
Porque belo não vê dentro.

Revirei-me na cama várias vezes, mas já não conseguia dormir. Optei por colocar uma música a tocar. Aquela música que me corria as ligações nervosas, desde à uma semana, o dueto de amor da “Madama Butterfly”. A música que era minha e de Bernardo, mas que ele desconhecia. A música que me fazia chorar, por vezes de alegria... outras de tristeza. A música do meu coração.
- Onde terá ele ido? – esperei quase uma hora na cama e nada. Foi então que desisti. Tinha de ir a casa dos meus pais almoçar e depois ir ter com a Pipa e ainda ir fazer mais algumas coisas, antes de voltar. Levantei-me e fui tomar banho. A Pandora fez-me companhia na casa-de-banho, até um grande salpico lhe ter aterrado no focinho. A partir daí resolveu esperar lá fora.


(PLAY)



- Tu ru ru ru Tu ru ru ru Tu ru ru ru ru – Tocou o meu telemóvel.
- Estou?
- Estou sim, senhor terapeuta?
- Sim? Ah! Doutor Ferreira, como está? – o doutor Ferreira era o otorrinolaringologista que trabalhava no mesmo consultório do que eu. Vivia para a medicina e o resultado disso tinha sido uma separação e uma perda de custódia dos filhos. Era uma pessoa amargurada, no entanto simpática.

Triste de quem se mata,
E de quem morre.
Triste daquele que morte é,
Que dos outros vida tira.


- Vai se andando... e você?
- Estou óptimo como sempre?
- Olhe estou a ligar porque preciso de discutir um caso consigo.
- HOJE?!
- Sim hoje. Pode passar pelo consultório lá para as 18?
Suspirei. Era a última coisa que me apetecia e queria fazer.
- Ok doutor. Lá estarei. – e desliguei o telefone. – Bom gatita. Fica à espera do Bernardo e porta-te bem.
Caminhei para a porta, com aqueles belos olhos azuis a seguirem-me.
- Que é linda? – tive um arrepio
- Miauuu.- os seus olhos mostravam preocupação e até medo.
- Porque estás assim?
- Miauuu.
- Bom. Vou-me embora. Tchau.
- Miauuuuu...- o seu último miar penetrou-me na alma. Agora era eu que estava com medo. Sai, deixando a música tocar...
Caminhei para a estação da CP e apanhei o comboio em direcção a Cascais. Lembro-me que nesse dia o mar estava muito bonito, num tom entre o azul e o esverdeado, como se os deuses o tivessem pintado naquele dia, com as melhores cores da sua paleta.
- Tenham a bondade de me auxiliar...- dizia uma mendiga, vestida de cigana. Como todos os outros na carruagem, ignorei-a.

Triste da alegria
De quem contentamento encontra,
Onde nada se pode encontrar.


- Tenha a bondade de me auxiliar. – dizia ela de novo, ainda no início da carruagem, longe do sítio onde eu me sentava. Aproveitei para mirar a paisagem e esqueci-me de tudo o resto. Ao fundo as gaivotas cantavam uma música muda, que eu não ouvia. A minha música entrava-me novamente na cabeça.
- TU!- saltei do banco. A cigana estava já ao pé de mim.
- Aaa... sim? – disse com receio
- Queres que te leia a sina?
“Por que não?” – pensei. Já sabia que ela me ia dizer que ia morrer ou que tudo estava mal. Era sempre a mesma previsão...
- Está bem.
- 5 euros!
- Tome-lá.
- Hmmmm... – dizia ela enquanto me olhava a mão.
- Sim?
- Hmmm... pois... era o que eu previa.
- Então?
- A sua mulher vai engravidar amanhã!
- Ah ahahaha – ri-me sem controlo.
- Duvida?
- Não não! Muito obrigado. – e com os seus 5 euros a cigana deixou-me em paz.
O comboio chegara finalmente ao Estoril, a terra onde tinha sido criado, sob o pulso forte de meus pais. Aí, apanhei um táxi e fui ter a casa deles.
O almoço passou-se sem grandes aventuras. Estavam lá as minhas irmãs e os respectivos, a minha mãe, o meu pai, e duas crianças que corriam à volta da mesa.

- Olá tio Carlos.
- Olá pirulita!- era a minha sobrinha Inês. – Podes dizer ao teu irmão para se tirar da minha perna?
- Claro! Miguel! Sai já daí!
- Crianças...- disse sorrindo ao meu pai. Ele não me respondeu com a mesma atitude.
Durante o almoço, falei com toda a gente menos com ele, que se mantinha amuado e de expressão carrancuda.
- Então como vai o Bernardo?- perguntou a minha mãe no fim da refeição
- Vai bem. Manda beijinhos.
- Esse cabrão...- toda a mesa parou. Eu já estava à espera de um comentário como esse. O meu pai culpava-o pela minha opção sexual.
- Desculpa?- perguntei ofendido
- Ouviste-me...
- Pai eu não te admito...
- Não me chames isso! Morreste para mim...
Senti um baque no coração. Estava morto para muitas pessoas, mas nunca imaginei que estava morto também para o meu pai. Senti que ia começar a chorar e levantei-me.
- É este o exemplo que queres dar aos teus netos?
- Eles têm o direito de saber que tipo de tio têm. Um paneleiro!
Um novo baque. Agora estava mesmo a chorar.
- O tio Carlos é paneleiro- gritou brincando o meu sobrinho.
Olhei em volta à procura de apoio. A minha mãe olhava-me triste e pedindo desculpa. As minhas irmãs, desviavam o olhar envergonhadas. A mais velha, mandava calar o filho que insistia em cantar aquele palavrão.

- Bom... com licença. Obrigado mãe pelo almoço. – disse com a voz trémula e saí dali. Olhei para o relógio. Eram já 14 da tarde. Tinha de me meter a caminho de Lisboa para ir ter com a Pipa e para depois ir ter com o doutor Ferreira que insistira em discutir um caso naquele dia. Apanhei um táxi e fui ter até à estação. Quando lá cheguei já estava mais calmo...


Triste de quem ama,
E de quem ama não.
Porque triste se fica,
Quando se perde,
Nas garras da dor,
O coração.

- Porque é que quando uma parte da nossa vida está bem, tudo o resto se desmorona?- murmurei para mim... Estava farto daquele conflito com a minha família! Eu não tinha culpa de ser gay. O meu corpo simplesmente respondia de forma diferente da que eles esperariam. Lamentava imenso não poder ser aquilo que eles queriam... Mas não lamentava o facto de querer escolher o caminho que me fazia realmente feliz...
Enquanto passava a mão pelo cabelo, acariciando-me na cabeça, o telefone tocou.
- ‘Tou lindo!- mas ninguém me respondeu do outro lado. Ouvia só risos e uma voz feminina que não conhecia.
- Vais preparar a festa surpresa dele?
- Vou. Mais à tarde. Agora estou ocupado
- Queres ajuda?
- Quero... – a pergunta e a resposta pareciam-me descontextualizadas pelo tom de voz que tinha sido utilizado. Parecia que se referiam a qualquer coisa que se estava a passar naquele momento.
Decidi desligar. Já tinha sabido demais, pelo descuido do Bernardo. Mas não importava. O que importava naquele momento, é que eu estaria não tarda muito nos braços de quem me amava pelo que eu era e não se prendia a ideais floreados daquilo que eu deveria ser. Queria estar com ele, para abafar o sofrimento que era sentir a minha família a afastar-se de mim, a perder-se entre as minhas mãos...

Triste de quem quer amar,
E não o deixam


Cheguei a casa da Pipa eram 16 e pouco e mesmo antes de tocar à campainha, lá estava ela à porta a cantar-me (desafinadamente mas cheia de carinho) os parabéns.
- Obrigada linda.
- De nada!- abraçou-me com toda a força. – então e o Bernardo?
- Está a preparar-me a festa surpresa. Shhhh. Não lhe digas nada que eu sei.
- Não digo, descansa. Que tal se fossemos tomar um café ou qualquer coisa?
- Vamos!
Saímos dali e caminhamos para uma casa de chás que havia na zona onde a Pipa morava. Aí estivemos na galhofa durante uma hora. Até eu me levantar e dizer.
- Bom gaiiiiija! Vou trabalhar!
- Trabalhar?!
- Don’t ask! Tenho de ir falar com um médico!
- Vá. Beijos! Adoro-te! Bom dia! Espero que o estrôncio do teu namorado se lembre de me convidar! – senti de novo aquele forte abraço e apoio e saí dali.

Triste de quem dá por essas agruras,
Mais de cem.
Triste de quem se acha mendigo,
Quando se é rei.


Olhei de novo para o relógio e caminhei para o consultório. Não era muito longe dali. Cheguei à hora marcada, seis da tarde. E entrei. Mal entrei, percebi porque tinha sido chamado ali a um feriado... para que aquele ser não fosse esquecido ali até ao dia seguinte...

Gritei de horror quando entrei. Pendurado sobre a cadeira, lá estava o doutor Ferreira, enforcado.
Estive lá uma hora a falar com a polícia e a explicar a situação. Por fazer anos, deixaram-me ir e disseram que se manteriam em contacto se assim fosse necessário. Nunca mais ouvi deles.

Triste deste mundo perdido.
Triste deste reino sem lei
.




Saí dali, já eram 20 horas.
- Deixe a sua mensagem na caixa de correio de 966...
- Onde é que te enfiaste Bernardo? – estava a ficar preocupado. Ele não me atendia nenhum dos telefones. Nem o de minha casa, nem o da dele nem sequer o seu telemóvel. Que estaria a acontecer?
Optei por caminhar para casa, em vez de apanhar transportes. Do sítio onde eu estava, deveria demorar uns 20 minutos a pé. Os meus últimos minutos de felicidade...

Tristes de nós...

Quando ainda faltavam uns 10 minutos, choquei contra uma velhinha...
- Desculpe-me! Não o vi!
- Não faz mal. Não se preocupe.- disse ajudando-a com os sacos. Quando me baixei para apanhar um tomate que tinha caído para a estrada, apercebi-me de que um carro familiar estava à minha frente. Era o carro de Bernardo...
Sem saber por quê, senti o meu coração a ser engolido pelo meu corpo. Estava ali perto e não deveria estar a fazer boa coisa...

Que somos sofridos.

Olhei em frente... Uma vivenda branca erguia-se no meio de prédios... As janelas estavam com as cortinas corridas e ouviam-se risos desenfreados, gemidos e loucos suspiros do lado de fora. Sabia naquele momento o que se estava a passar. Só precisava da confirmação. Corri para a porta e bati... nada... ninguém respondia do outro lado...
Ao luz do luar, uma chave reluziu dentro de um vazo na porta. Teria sido aquela a chave deixada para Bernardo?
Sem pensar agarrei nela e abri a porta, trotando as escadas até ao quarto. Abri a porta...
Lá estavam eles, comendo-se como canibais... e que timming. Tinha entrado mesmo no momento do orgasmo de ambos...
- Bernardo...- murmurei.
Mas ele não me respondeu. Apenas olhou na minha direcção, soltando aquele riso sedutor e maquiavélico com que me tinha conquistado.
- Feliz aniversário!
– disse rindo-se, a Sofia...
Do resto já não me lembro muito bem. Sei que saí a correr daquela casa, e que corri para a minha. Os meus olhos, estavam embaciados pela água e por isso quase perdi a vida À frente de vários carros. Mal cheguei a casa, caí no chão e percebi com toda a certeza, que estava sozinho, sem namorado, sem família e com poucos amigos que já nada podiam fazer por mim...

A alma vai morrendo todos os dias, com os sofreres... e renasce com as alegrias. Ali soube, sobre o chão frio, que a minha morrera ali, pela solidão e tristeza, pelo choque... e pela traição...

Tristes de nós...
Que somos ninguém...


Poema “Tristeza” de João Fartaria 25/04/05 19:34

4 Comments:

Anonymous Anónimo said...

Espero que gostem. O fim do ciclo. Faltam apenas 2/3 posts que já nada têm a ver com o fim da alma do Carlos.

Entenda-se que quando falo no fim da alma, não quero dizer que ela está morta para sempre. A nossa alma morre sempre que atingimos o fundo do posso. Mas ao contrário do corpo, consegue renascer. Infelizmente o Carlos não teve tempo para isso.Eu tive!:)

Mas já morri um bocado mais entretanto. E já renasci de novo.... e por aí fora.

18/8/07 14:29  
Anonymous Anónimo said...

As almas não morrem ;)

Adorei o post, mas teria censurado algumas passagens!! (prometo comentar melhor daqui a pouco)

19/8/07 11:32  
Blogger Pips said...

Gostei muito do post, sim senhor! =) e esse Bernardo é mesmo maquiavélico! Se o visse à frente podes crer que partia para a porrada! Hehe!

Beijos! Está quaseee! Yee! =P

P.S: eu não desafino!!! xD

19/8/07 15:02  
Anonymous Anónimo said...

lololol.Desafinas so um bocadito. Mas é sexy!!!!:P. Meninas, devo confessar que é de toidos o post que eu menos gosto!!!:P. Mas efnim, se voces gostam é o importante!;). Adoro-vos! Me, que partes censuravas?

Todo o pessoal:ja tenho as fotos no comp. Mando-as hoje

19/8/07 18:44  

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