sábado, novembro 24, 2007

Achados III (Miriam)


- Javier! Que quieres?- dizia ela ao telefone. Já não falava com o namorado à uma semana. Ele tinha pedido um "tiempo" para resolver os seus "problemas". Pois bem, o tempo já tinha passado e a coisa não parecia nada"guapa". De facto, o "desajollo" daquilo, parecia processar-se no sentido negativo.- Que me vá?
- Si.- respondia a voz do outro lado da linha.
Por detrás dos óculos de massa azuis que escondiam os olhos de Miriam, lágrimas começavam a cair. Estava só, a partir daquele momento. A sua mãe tinha-a expulsado de casa para poder ter mais espaço por onde fornicar o seu padastro. O seu pai, há muito falecera. Não tinha mais família, não tinha se quer namorado, a sua pedra, a sua rocha que agora se desmoronava.
Miriam pôs-se ali a chorar, não se atrevendo a levantar os olhos, nem a desligar o telefone ao rapaz que incessantemente dizia Hola! dou outro lado da linha, à espera de ouvir a sua raiva, a sua tristeza ou pelo menos a sua voz.

*
- AIIIIIIIII! Já me viste aquilo gaija?
- O que é ... Pipi.- perguntou Sofia enquanto devorava um bolo duro que nem pedra.
- Ali malher! Não me vez a coitada a chorar?
- Oh! Deve ter acabado com o namorado, ou coisa assim... não percebo porque me fazem esta fita toda.
- SOFIA!
- É verdade! Se queres que te diga, acho que o amor está sobrevalorizado!
- Já o sexo... - disse Pipi rindo-se
- Sim... esse está sub-aproveitado!
*
Tinha de sair dali! Dali de Barcelona e dali do café. À sua frente, cada monumento tornava-se doloroso, mostrando todos aqueles meses em que tinha estado com Javier. Em todos esses meses, Javier levara-a a um monumento diferente. O último tinha sido a casa de Gaudhi, com as suas estranhas formas e coloridas chaminés.
Na visita anterior tinha sido arrastada para a sagrada família, um monumento que nunca a agradou, para descontentamento de Javier.
Miriam não era dali. Era de Badajoz, do outro lado do país, junto ao país vizinho. Falava tanto espanhol como português e ainda arranhava no francês e violava o inglês, como quase todos os espanhóis. Tinha vindo para ali morar, há 3 anos, quando decidira que o curso de Psicologia seria muito mais giro numa cidade grande e movimentada, como Barcelona ou Madrid. Escolhera a primeira pela sua beleza. Agora amaldiçoava esse dia.
*
- A música está a deprimir-me!
- A mim também. Vamos embora!
Pipi e Sofia levantaram-se. Miriam começou a chorar cada vez mais.
- Vamos lá Sofia!
- Não te armes em bom samaritano!
- Olha, vai andando. Eu falo com ela.
E assim foi. Sofia voltou ao hotel e o Pipi ficou para trás...
*
- Posso ajudar?
Miriam, olhou para aquele estranho rapaz e sentiu vontade de rir.
- Não. - respondeu-lhe em português - obrigado.
- Vá lá! Conta ao pipi!
Miriam desatou-se a rir à gargalhada.
Ali uma nova amizade foi-se formando. A psicóloga e o especial espécime de raça humana que era Pipi. Falaram durante toda a tarde. Quando chegou à noite, Cada um foi para seu lado, Pipi feliz por ter ajudado alguém. Miriam indecisa se devia ficar ou aceitar a proposta dele - de embarcar no inter-rail, pela Europa, para espairecer.
Caminhou durante quase toda a noite, sempre segurando a morada da pousada onde Pipi e Sofia se encontravam.
Ás 4 da manhã bateu-lhes à porta, com as malas feitas, perguntando a que horas partia o comboio para Paris, na manhã seguinte.

terça-feira, novembro 20, 2007

As Cem Razões de Catarina

Eram 7:40, o que significava dez minutos de atraso para Catarina. Tentava titanicamente tirar os dois filhos gémeos da cama (quantas vezes chorara quando descobrira que eram dois em vez do um que o orçamento planeado ao pormenor podia suportar). As duas crianças irritadas gritavam em uníssono "Não quero ir à escola!". Catarina acabou por conseguir pegar nos dois e enfiá-los na casa de banho (já nem queria saber se se lavavam ou não) e correr até à cozinha onde o leite começara a ferver.
Sentado, sem tirar os olhos do jornal, o seu marido parecia um adereço de decoração inconveniente que viera agarrado à cadeira onde sempre se sentava. Catarina precisava de algum calor humano que lhe desse forças para enfrentar o dia e sugeriu a Tomás deixar os filhos na avó para que os dois pudessem ao menos tomar um café sozinhos, quem sabe ver o mar...
- Sim querida, se queres...
Catarina não podia garantir que Tomás a ouvira, pois nem despregara os olhos do jornal. Aliás, querida parecia ter-se tornado um substituto simples para o seu nome, uma vez que assim ela perdia o estatuto de pessoa para se tornar a mãe dos filhos de Tomás.
Às 8:35 Catarina encostou o carro à porta da escola, para onde os filhos, agora numa agitação gigantesca, correram atrás dos amigos e a deixaram sem qualquer despedida. Ao tirar o carro do estacionamento fez-lhe um risco de uma ponta a outra.
Ao fim de um dia horrível a corrigir erros de quadros superiores da empresa sem um único elogio, Catarina apanhou as crianças na escola, que gritavam a plenos pulmões que não tinham brincado e que ela era má. Cumprindo o plano dessa manhã, Catarina deixou as crianças com a avó:
- Os meus amores- disse a mãe de Catarina. E logo se despediu secamente dela- Estão entregues, até logo.
Parecia a Catarina que já nem a sua mãe entendia que ela continuava a ser humana...sentia-se presa, mas já sem um amor maior que a prendesse a todo o trabalho escravo que a vida da classe média a obrigava...pegou no carro...
Vestida de negro e chorando nos braços de Tomás, a mãe de Catarina gritava poucas horas depois: "Porque fez ela isto? Não percebo. Tinha um emprego, tinha uma família que a amava...porquê que ela não podia ser feliz?"
"A mim nunca me contou..."suspirou Tomás.

sexta-feira, novembro 16, 2007

Postal de Paris (perdidos III)


(desculpem não conseguir colocar o vídeo aqui. Por favor vejam e oiçam a música. Não é para ouvir e ler o post. É para falar por mim.)
Querida Mãe:
Tinhas razão, como sempre. Paris é maravilhosa. Se ao menos a tivesse visto com os teus olhos a conduzir os meus teria talvez percebido mais cedo as tuas palavras.
Estou já a caminho de Londres. Não te preocupes, o João e a Vera estão comigo. Sei que não os conheces, mas posso dizer-te que foram eles que compraram este postal, o envelope e o selo e me obrigaram a escrever.
Minto (mais uma vez). Ninguém me obrigou a escrever senão eu mesma. Porque te devo uma infinidade de bens, não só materiais. E porque essa dívida me torna a pessoa mais ingrata ao cimo da Terra.
Eu nunca quis realmente fugir para casa do pai. Eu não o amo realmente mais do que te amo a ti. Eu não queria mesmo desviar-me do caminho que tanto trabalho te deu a traçar. Eu não queria mesmo abandonar a responsabilidade de continuar a traçar essa trilha que me legaste.
O que quero dizer, mãe, é que não fiz de propósito para ser despedida (de nenhuma das vezes), que não foi a minha mente que tentaste dobrar que me expulsou da escola, mas sim o meu coração rebelde. E que não foi na posse de todo o meu ser que te abandonei.
A cidade do amor não brilha sem a tua luz.
Perdoa-me se me perdi...

Bárbara

domingo, novembro 11, 2007

Madrid, Quadros e Jóias (Achados II)


(Play)

- Move your body over like a ninfo! - a "ousada" rapariga da canção cantava e qual cãezinhos bem comportados, Pipi e Sofia obedeciam.
Tinham naquele dia o diabo no corpo. Pipi já tinha levado naquela noite um murro por ter apalpado um militar (em compensação, o amigo do dito tinha-lhe dado noutro sítio.... para seu real prazer).
Sofia tinha levado também uma estalada. É o que dá fazer-se a um rapaz, com a namorada ao lado, mesmo que esta não devesse nada a beleza.
Ali estavam eles, os devassos, no meio da noite de Madrid, bebendo que nem desalmados, apalpando tudo e todos, mas ficando sempre sem ninguém. Naquela noite foram para a pousada, um sítio cheio de baratas, com exaltações da ETA por detrás dos quadros do quarto, e com um pão que poderia ser utilizado para derrubar uma parede.

*
- Bom dia.- gemeu Sofia, ao chegar à mesa do pequeno -almoço.
- BOM DIA - guinchou Pipi, no seu estado de bicheza matinal.
- Não tão alto Pipi! Dói-me a cabeça!!!
- Ai filha, a mim dói-me o rabinho!
- CHEGA!!- gritou em pânico Sofia, antes que o Pipi pudesse continuar. - Não quero saber se te dói o cu Pipi!
Como crianças riram-se da sua piada sem graça.
Saíram do hotel depois do almoço, após a refrescante siesta. Decidiram ir nesse dia ao museu do Prado.
- É esta coisa?- perguntou Pipi desapontado, no final da visita.
- Pipi, o que queres ver se não cultura?
- Bares, gajos e disco!
- Isso só à noite. A esta hora está tudo fechado!
- Oh!- exclamou e acelerando o passo amuado dirigiu-se para o metro.
- Esta vai ser uma loooonnnga viagem....- suspirou Sofia.
Entraram no metro e dirigiram-se ao museu rainha Sofia. À entrada, encontraram os "amigos" do Pipi, que gesticulando, o mandaram ir passear.
- Olha amiga! Não faz mal! Caguei para eles! Vamos lá ver as jóias da rainha!
- Mas aquilo não é ...
- Vamos!!!- disse apressando Sofia.
Entraram pelo museu a dentro, Sofia implorando para que ele gostasse de arte Contemporânea . Ele, guinchando como uma criança, à espera de ver bijuterias mais caras do que aquelas que comprara na Parfois no centro da cidade...