terça-feira, maio 29, 2007

Contagem regressiva para o fim da alma - 10º dia

- Explica-me outra vez, por que é que eu estou aqui...
Pipa revirou os olhos e olhou-me irritada
- Custa-te muito estar comigo?
- Ei! Calminha sim... não descarregues em mim, que não te fiz nada. Achas mesmo que um filme porno é a melhor prenda para dares ao teu namorado?
Pipa riu. Sim... estávamos numa sexshop, a escolher "aquele vídeo" que pudesse fazer dar um salto na sua relação amorosa com Pedro.
- Sim!!!Já te disse!
- Então que tal... " garganta funda". - ri-me...
- Não! Muito clichê!
- E temos .... o "polegarzinho" , uma fantasia de lesbianismo escaldante... - li a contracapa.
- Aiiiii! Não! Qualquer coisa que estimule a ligação hetero! No offence!
- None taken... então o "santos e pecadores", uma viagem excêntrica ao mundo da religião!
Olhámos um para o outro e abanámos a cabeça. Mesmo para dois ateus, havia regras e limites.
- Olha, então não sei!- exclamei cansado. Os meus pés estavam-me a doer de ter subido toda a baixa.
A baixa era sempre aquele drama! Dizia-se ser o local mais frequentado por pessoas .... digamos diferentes... diferentes como eu? Sentia-me sempre ansioso para ir lá, mas essa ânsia passava no momento em que me punha a desfilar pelas suas ruas...
Eram só bichezas ou gays que não reparavam em mim.
- É este mesmo! - Pipa saltava quase de alegria do outro lado da loja. Entretanto eu ria-me do outro lado, olhando para objectos bizarros feitos de metal. "Onde e como se enfia isto?"- pensei entretanto, sentindo um calafrio de impressão.
- Qual é que vais levar afinal?
Pipa sorriu e quase se desmanchou a rir.
- "As pegas também se abatem"...
Não quis duvidar da escolha...
- Até pode ser bom, caso tenha o mesmo tipo de enredo do "Os cavalos também se abatem"....
Pipa olhou-me com cara de gozo...Sim, o melhor que o filme tinha, sem dúvida, era o enredo...

*
- Queres mostarda?
- Não Mary, estou bem assim.
Joana e Mariana jantavam aqueles pratos exóticos que Mariana aprendera numa viagem à Índia.
- Então, conte-me lá... como vai a tua vida amorosa?
Mariana quase que se ia engasgando.
Pobre criatura... porque ainda perguntava ela? Sabia que ela estava sozinha, sabia que andava a procura, e Joana também sabia que ela andava a comer o patrão!
- Tenho mesmo de responder?
- Oh, va lá! Não há ninguém em que estejas MESMO interessada?
Mariana posou os garfos e olhou a amigas. A questão não era se ela tinha interesse em alguém, mas sim, se alguém tinha interesse nela.
Sentia-se feia na maior parte do tempo. Sentia-se exausta demais para continuar a lutar. Sentia-se mais do que só... invisível. Como se o mundo pudesse passar através dela, não reparando no seu corpo ou mesmo alma.
- Que me serve estar interessada, se ninguém me liga?
- Procura mulher!
- Achas que já não o fiz? Achas que não estou cansada de o fazer. E para quê? Sou feia... e tenho as mamas pequenas! Precisava era de fazer qualquer coisa sobre isso.
Joana estava prestes a rebentar. Ela? FEIA? Com as mamas pequenas?
Joana via-a como aquele ser inteligente, com uma beleza angelical e com um sorriso amoroso. De feia não tinha nada. Apenas não dominava o jogo da sedução. Mas também, quem o domina? Raros são os que conhecem as regras... raros são os que têm golpes de sorte.
- Não sejas assim! Tu és Perfeita! és perfeita como...- Mariana estava já a revirar os olhos... - como o meu Bernardo!
Mariana levantou-se e foi buscar os profiteroles que tinha feito para a sobremesa. Enquanto pousava os pratos do jantar, sobre a sua bancada de pedra, pôs-se a pensar: "Haverá assim alguém tão perfeito?"
*
- Estamos cada vez melhor amor...- Sofia rolava para o outro lado da cama, depois de horas e horas naquele jogo ritmico e repetido. Ao seu lado, o perfeito Bernardo se deitava e sorria de prazer.
- ESTOU cada vez melhor, queres tu dizer!
- Coitado... não fosse eu a meter a boca onde meti, não te tinhas mexido.
Os seus corpos cansados, estendiam-se um sobre o outro. Ao lado da cama, um teste de gravidez dizia que estava tudo bem. Sofia não estava grávida...
- Temos de começar a fazer mais testes de gravidez. Isto depois é um espectáculo.
- É o caraças... apanhei cá um cagaço!
- Que farias se eu estivesse.
Bernardo olhou-a estranhando a pergunta. Um filho não era simplesmente uma opção.
- Possivelmente deixava-te.
O silêncio abateu-se sobre os dois... a falta de sensibilidade era sem dúvida um dos seus defeitos.
Passados alguns minutos, Sofia respondeu a rir, quebrando o gelo que se formara:
- Não! Íamos os dois passar umas férias a Espanha!
Algures do outro lado da cidade, Joana falava pela vigésima vez, para desgosto de Mariana, do seu namorado perfeito...
- Sabes Carmelo...às vezes acho que estou condenado a ti...

As palavras de João soaram aos ouvidos de Carmelo com a mesma dor que é produzida pelo som agudo de unhas num quadro.

- E o que fizeste tu para mereceres uma pena tão pesada quanto eu?

- Não Carmel, não é uma pena de prisão...é uma condenação tão forte e certa como a morte!

- Sinto-me muito mais feliz agora...

- Como a morte porque me parece que nunca tive outra escolha senão caminhar para ti...

- Desvia-te!

- Porquê?

- Não sejas igual a mim, por favor...

domingo, maio 27, 2007

Contagem regressiva para o fim da alma - 11º dia

Fazia naquele dia, dois dias, que tinha decidido mudar o que sentia. Mudar o que sentia... soava até presunçoso, como se eu, Deus mortal, tivesse capacidade para tal...
Mas se não fosse eu, quem o faria?
Há muito deixara de acreditar em deuses e em crenças milenares... o que eu queria neste momento, era simplesmente...
- Acreditar em mim...- verbalizei...
Estava sentado no meu sofá largo, que ocupava grande parte da minha pequena sala. No meu colo, Pandora ronronava fortemente, ou estaria ela a ressonar?
Subitamente levantou a cabeça e a correr dirigiu-se para a porta.
- Quem é querida?
A gata ia miando, enquanto o meu peito batia fortemente...
"Pára! Não é ele! Deixa-te disso!"
Alguém bateu à porta... as pancadas fizeram-se sentir no meu peito, que parecia querer rebentar de ansiedade. Vi-me ao espelho, penteei-me e abri com um sorriso.
- Boa tarde.... diga-me meu irmão, já conhece a palavra de Jeová?

...

MEEEEEERRRRRRDDDDAAAAA
Pensei, para mim...

*
- Toc Toc Toc... - alguém, batia à porta de Mariana. Ela não a ouvi. Estava cheia de sono e nesse preciso momento, babava a almofada laranja do seu sofá que ocupava grande parte da sua sala. Ao seu lado, Dóris, bocejava pronta a adormecer...
- Toc Toc Toc. - bateram com mais força.
Mariana acordou sobressaltada
- Bacalhau com fruta! - exclamou, sem saber porquê, enquanto acordava.- Ai! Quem é?
Gritou bem alto. Ninguém lhe respondeu...
-Rais parta! Nem ao sábado!- e lá se levantou, dirigindo-se para a porta.- Sim!
Ao abrir a porta, um rapaz da sua altura, tímido e de olhos castanhos lhe sorriu.
- Boa tarde minha senhora. Aqui tem a pizza que pediu.
- Pizza?- inquiriu ela, coçando o cabelo despenteado - não encomendei nada!
O rapaz corou. Devia ter mais ou menos a sua idade. Mariana reparou então que o rapaz era mesmo o seu tipo.
- Mas, se quiser, posso ficar com ela, para não ter de levá-la outra vez.
- Não minha senhora. Tenho de entregar a quem a encomendou - disse ele sorrindo. Por breves momentos olharam-se nos olhos e Mariana corou.
- O meu nome é João.
- O meu é Mariana.
João entrou nessa tarde e falaram. Parecia uma pessoa simpática e divertida.
- Posso ir À casa de banho Mariana? A pizza caiu-me mal.
- Ok... poupa pormenores... mas força.
O rapaz deixou a sua carteira em cima da mesa e foi em busca da casa de banho. Mariana não resistiu. Ao abrir a carteira, deparou-se com o que não queria ver. Lá estava ela. Uma rapariga bonita e cheia de alegria. Parecia amorosa até.
- Pode ser a irmã - murmurou, desejando que estivesse certa.
Mas quando o rapaz voltou, apercebeu-se daquele objecto redondo que rodeava o seu dedo. Tentou despachá-lo e conseguiu. Nunca mais abriu a porta a estranhos...
*
- Gostaste da surpresa Pipes?
Pipa e Pedro estavam no jardim Conde Castro de Guimarães, em Cascais, naquele belo dia solarengo. Traziam consigo um cesto cheio de comida e uma toalha aos quadradinhos... teriam um majestoso piquenique ali.
- Gostei sim, meu lindo. - respondeu ela, beijando-o na boca.
Por momentos, para Pipa, o mundo estava todo bem. Tinha a sua fortaleza ao seu lado e aguentava-se fortemente a todas as intempéries.
Tocava-lhe no peito de cinco em cinco minutos, para o sentir, sobre a relva verde daquele tão esplêndido parque...
- Aquele não é? - não acabou a frase. Pedro não o conhecia. Seria aquele ali o Bernardo?
- Quem?
-Nada, esquece... pareceu-me o ex do Carlos.
- Quem, aquele com a miúda?
- Sim, parece estranho... não deve ser...
- Mas quando foi aquela história com o Carlos, não foi com...
- Sim. Bom, deixa estar! - enroscou-se mais um bocado.- Viu então uma criança, do outro lado do jardim, com um grande cone na mão, com três bolas de chocolate!- Amor!!!
Gritou, sobressaltando Pedro.
- Que é?
- Compra-me um gelado!!!
- Está bem!! - Pedro levantou-se e caminhou para o carrinho dos gelados... Pipa quedou-se ali, observando aquele casal à sua frente, tentando perceber quem era aquela rapariga e aquele rapaz.
Sabia que Carlos tinha sido traído, mas seria com ela? E seria aquele o seu colega Bernardo?
*
- Pára! Estás-me a fazer cócegas! - Joana brincava na relva com o seu perfeito namorado. Tudo estaria bem, enquanto aquela sua fortaleza se ergue-se ali junto dela, enquanto lhe pudesse tocar, de cinco em cinco minutos, no peito, para sentir a sua existência sobre aquela verde relva.
- Tu não queres que eu pare!!!
- Quero sim! Viemos para aqui para fazer um piquenique, não era para tu me mordiscares a orelha!
- Isso está incluído. - e lá o rapaz mordia mais um pouco a rapariga! Ela gritava de alegria, feito uma criança, sujeita à doce tortura do ataque de cócegas.
Quando se cansaram, estavam os dois cheios de fome e prontos para devorar toda a sua merenda.
- Bernardo?
- Diz linda.
- Tiveste muitas namoradas antes de mim?
Bernardo ia-se engasgando...
- Credo! Assim tantas?- riu-se Joana. - Desde que não sejam namorados!!!
Bernardo cuspiu o sumo, rindo-se, para evitar ser descoberto.
- Isso não!!!
- Ainda bem. - disse-lhe ela sorrindo.
- Tive a sério, umas 3. - Carlos estava incluído e camuflado como uma rapariga.
- Ainda bem... assim já sabes das coisas...- Joana sorriu-lhe maldosamente.
O resto da tarde, passaram a rir-se de tudo e a devorarem-se, esquecendo todo o mundo que os rodeava.
*
- Porra, eles não se viram! Só lhes vejo as costas. Bah! Desisto. - Pipa atirava-se agora para a relva, deixando de espiar o casal que alegremente brincava sobre a relva.
Sentiu-se cheia de pena nesse momento... porque é que ela e o Pedro já não eram assim? Seria porque já namoravam à 2 anos. Bem... um ano e 9 meses...
Sentiu uma certa melancolia e procurou-o com o olhar. Ao fundo, Pedro falava com uma rapariga.
- Mas que...
A rapariga guardava agora um bilhete qualquer. Era loira e trazia o seu peito apertado contra a sua camisa justa, azul. Tinha ar de ordinária...
- Quem é aquela cabra?
A rapariga ia mexendo o cabelo, rindo-se alegremente das piadas do rapaz...
*
- Tenho de ir.
- Está bem... então até qualquer dia.
- Ok Patrícia. Adeus.
- Xau Pedro.
Pedro voltou para junto de Pipa. O gelado estava quase derretido na sua mão...
Não falaram mais durante a hora seguinte, com a desculpa por parte de Pipa, de que estava a comer. Pipa estava a ferver por dentro, cheia de perguntas e raivas para libertar... se não fosse o gelado, teria descarregado todo aquele calor sobre Pedro
*
- Entre, sargento Ferreira. Então o que o traz por cá?
- Isto. - o sargento ferreira mostrava o pé a Vanessa. Era o tal polícia que se atingia todos os meses, porque a mulher ficava insuportável com o período.
- OUTRA VEZ?- Vanessa estava exasperada. Como era possível alguém ser tão parvo para cometer o mesmo erro vezes sem conta? Como?
Vanessa ignorava o facto de milhares de almas sofredoras de amor, repetirem os seus actos, vezes sem conta... Era uma boa psicóloga, talvez porque se refugiava deste tipo de emoções...
Mas por dentro, a sua alma estilhaçava, porque não tinha aquela pessoa especial. É certo que não queria aquele sargento Santos, velho e a cheirar a desespero...
Queria alguém que a amasse, e que ela pudesse amar...
- Então vamos lá outra vez...
*
- Muito obrigado pelo tempo despendido... aqui tem. - a senhora dava-me uma panfleto para a mão com os ensinamentos de Jeová. Eu estava já com a cara paralisada e dorida, do sorriso amarelado...
- De nada. Então, uma boa tarde... - fechei a porta e deitei o panfleto para o lixo...
Pensei que nunca cometeria de novo aquele erro estúpido. Olharia sempre primeiro, para ver quem era. E deixaria naquele momento de acreditar que Bernardo pudesse voltar...
- tOC, tOC tOC...
O meu coração bateu outra vez... sem pensar, fui correr abrir a porta, de novo com um sorriso.
- Boa tarde... vinha-lhe falar da palavra de Deus...
O sorriso se desfez em segundos.
- Não acredito em Deus...
- Mas então, deixe-me dizer-lhe a sua mensagem que passará a acreditar...
Olhei a senhora com pena e até com carinho. A senhora idosa olhou-me nos olhos e sorriu.
- Não obrigado minha senhora. Já acreditei em Deus... agora já não acredito!
- Posso-lhe perguntar por quê?
Travei a porta e sorri-lhe novamente.
- Porque ele deixou de acreditar em mim...
A senhora ficou chocada mas compreendeu o meu sofrer. Dizendo boa tarde e não me dando panfletos, saiu dali, caminhando para outra pessoa que pudesse ser convertida...

sexta-feira, maio 25, 2007

Contagem regressiva para o fim da alma - 12º dia

Post musicado... ponham play e comecem a ler quando a barra estiver completa. é só música de fundo...A música deve continuar depois de vocês acabarem de ler...
é boa para descontrair. Por isso, se quiserem metam-se a ouvi-la até ao fim.


Cinco vidas.... cinco pequenas vidas no mundo, olhavam para as si próprias... A minha sentava-se à janela, olhando as ruas da minha cidade... Ao fundo, o mar de São João brilhava sob o luar. O silêncio fazia voar as pétalas das flores da primavera... aquele silêncio. E eu ali calado, olhando o mundo, do alto do meu campanário, qual Quasímodo!
Estava sereno nesse dia. Não me sentia assim já há tanto tempo... não sentia raiva, não sentia dor, nem desespero. Apenas uma leveza do ser... Lembro-me que escrevi nesse dia um poema a deus... ou contra ele... Um poema que me fez acalmar a alma. Seria por isso, que estava assim? Ou seria porque aos poucos o conceito de Bernardo se desfazia de dia para dia? Irritei-me... Porque não haveria eu de me libertar dos meus fantasma? Batia com toda a força na mesa. Nesse momento a terra tremeu e eu senti-me poderoso.
- Como treme o mundo a meus pés...- ri-me das minhas piadas... ou estaria a rir-me de mim?

*

- Anda pra cama Pipa!
Pedro deitava-se seminu, estendido sobre os lençóis de sede comprados no dia anterior, por pipa, e prontos a "estrear". Pipa estava sentada junto ao seu grande espelho do quarto. Com vigor, tirava a maquilhagem da cara...
- Pedro...
- Diz.
- Tu amas-me?
Um silêncio fez tremer o chão do quarto...Pipa olhou Pedro pelo seu espelho. O rapaz olhava para baixo, tentando arranjar uma forma de fugir da pergunta. Foi então que os seus olhos se iluminaram...
- O que é que tu achas pipa?
- Não sei...- a sua voz murmurava a incerteza da sua alma... mas que lhe importava saber isso... se tinha lençóis novos de sede, por estrear...

A noite encheu-a de tristeza... por muito que se maquilhasse, nunca conseguiria esconder a sua tristeza... por muito que esfrega-se, ela não sairia do seu rosto...


*


- Ufa... que estafa... não é minha linda?- Mariana entrava exausta em casa... trazia consigo um frango assado, o último que o café estava a vender. Como resposta, Dóris ia miando e ronronando, enroscando-se nas pernas esguias da sua dona. Mariana sorriu-lhe...
- Tão pura existência... só queres comida, conforto, protecção e carinho...não é o que todos queremos? - Mariana suspirou. Decidiu que não iria comer frango, mas sim cereais e caminhou para a sala.
- Ora deixa ver o que está a dar...- com um clique, a televisão iluminou-se.
- Oh, não!!! - O ecrã outrora preto e tão previsível, tornara-a a surpreender... estava a dar na televisão o Ghost, o fantasma do Amor, com a Demi Moore - Oh... Carlos António...- ia ela gozando, fazendo beicinho- como eu txi amo!!!.
E lá ia ela fazendo novelas mexicanas, rindo-se dos outros... ou seria dela própria? Não sabia... naquele momento só queria saber do filme e da sua gozação... Naquele momento, o mundo vibrou, mas ela não sentiu...

*

- Vanessa, vamos mudar de turnos. Ficas?
- Não Patrícia. Vou-me embora a seguir ao Sargento Santos vir falar comigo
- Ui... Boa sorte...
- Brigado...
Meia depois, lá entrou o velho sargento, consciente de que era traído pela mulher, mas que nada podia fazer para prová-lo.
- Como está sargento?
- Agora estou melhor...
Todos os dias Vanessa se esquivava dele... queria cheirar-lhe o cabelo, qual louco ou desequilibrado criminoso. Queria sentir o seu corpo com o dela... Ela? Queria não sentir o seu cheiro intenso a perfume rasca... queria ver longe a sua proeminência que em curva, fazia-o parece grávido. Queria vê-lo longe...
- Bom, porque aqui veio hoje
- Por que a queria ver...
- Já falámos disso, Sargento Santos...
- Mas...
- Não quero nada consigo! Por favor deixe-me em paz... - O Sargento baixou a cabeça entristecido. Mas, seria aquilo um sorriso, que Vanessa viu?
- Então posso-lhe falar dos meus problemas?
- É para isso que aqui estou...
E o polícia começou a desbobinar... falava essencialmente da sua vida sexual, tentando impressioná-la com falsidades e fanfarronices... Notoriamente, ali não havia problemas amorosos ou de outra ordem... Vanessa sabia-o, mas a consulta estava paga... Meia hora depois, a psicóloga saiu da esquadra e partiu para a sua casa.... suspirando de todo um dia de trabalho e de irritações... Mal chegou a casa, colocou-se à Janela, olhando as estrelas da noite... sentiu então o tremor de terra.

*

Os seus corpos se entrelaçavam em movimentos carnais. Bernardo usava o corpo e a alma de Joana, como usara tantos outros... Naquela noite, Joana também usava o seu corpo. Traziam os seus cheiros e beijos entranhados nos lábios, nas coxas, na sua alma, no seu ser... Gemiam feito gatos no cio, por vezes gritando, por vezes pedindo quase por socorro, pedindo que aquele bruto ritual terminasse o mais rapidamente possível... outra vezes, prolongavam-se, como se o quisessem para a eternidade.
- Bernardo...
- Car...Joana
Naquele momento a terra tremeu... obviamente não sentiram. A cama já vibrava o suficiente... Joana apercebera-se do erro.... Quem seria Car... Carla? Carina? Não sabia, nem queria saber...Bernardo também não lhe diria quem era Carlos...Naquele momento, os dois esqueceram o mundo e tentaram apagar os seus fantasmas...

quinta-feira, maio 24, 2007

verdadeira musica

Mé... pus-me a pensar qual seria a verdadeira música que nos representa. Ouvi-a hoje no radio...

http://www.youtube.com/watch?v=NhaySAP32zY

Mesa- "Arrefece"

Não sei porque é que nada acontece
É sempre a mesma vida
, sempre o mesmo stresse...

Não sei porque é que sentes a minha falta
Cada dia que passa um de nós arrefece!

Será do meu trabalho da foice e do martelo,
De estar cada vez mais ordinária e impossível,
É a vida que nos toca,
O relógio nunca pára,
O síndrome da Repetição...


É o fogo que se apaga,
E o medo da solidão,
O problema é da saída,
Não estar aqui à mão.

É a vida que nos foge
Ou é então,
É sensação...
Não vale sequer
Um mundo de apelar ao coração


...

O resto não tenho e não consigo apanhar.... mas a parte importante está aqui!:P

quarta-feira, maio 23, 2007


Carmelo cantou com o público frente ao computador e esqueceu-se durante um bocadinho que o seu destino estava encerrado naquela música...

Pearl Jam - Better Man
Waitin', watchin' the clock, it's four o'clock, it's
got to stop
Tell him, take no more, she practices her speech
As he opens the door, she rolls over..
pretends to sleep as he looks her over..
She lies and says she's in love with him, can't find a
better man.
She dreams in color, she dreams in red, can't find a
better man.
Can't find a better man
Can't find a better man
Ohh...
Talkin' to herself, there's no one else who needs to
know; she tells herself..
Oh...
Memories back when she was bold and strong
And waiting for the world to come along...
Swears she knew it, now she swears he's gone
She lies and says she's in love with him, can't find a
better man...
She dreams in color, she dreams in red, can't find a
better man...
She lies and says she still loves him, can't find a
better man...
She dreams in color, she dreams in red, can't find a
better man...
Can't find a better man
Can't find a better man
Yeah...
She loved him, yeah...she don't want to leave this
way
She needs him, yeah...that's why she'll be back again
Can't find a better man
Can't find a better man
Can't find a better man
Can't find a better...man...

terça-feira, maio 22, 2007

Contagem regressiva para o fim da alma - 13º dia - III - o Suicídio

(ponham isto a andar. Quando estiver a barra vermelha completa não ponham play!!! Eu aviso depois.)
Mariana voltou do passeio com a amiga, duas horas depois do que era suposto. Tinham-se embrenhado numa tal conversa sobre rapazes, que só repararam nas horas, quando o senhor do café lhes pediu gentilmente para desocuparem a mesa!
- OH! O homem vai-me matar!!!- gritou Mariana
- Tem calminha. Eu prendo-o se for preciso.
Mariana adorou a ideia. Saíram então dali em direcção aos seus locais de trabalho.

*

- Bom Rosa. Por hoje é tudo não é?
- Não senhor, terapeuta! Tem ainda uma avaliação de linguagem para fazer...
Revirei os olhos. Estava cansado, não tinha feito nada durante a manhã e agora, após ter despachado os 5 casos que tinha até às 18 horas, estava a suplicar para ir para casa.
- Mande-os entrar então. - disse, entrando no meu consultório.
Por momentos tomei atenção ao espaço à minha volta. A minha secretária estava arrumada, tinha os testes por ordem alfabética e bem guardados. Os jogos escondiam-se nas prateleiras, escondidos dos olhos das crianças mais irrequietas. Suspirei... porque seria eu tão organizado no trabalho e tão trapalhão em casa?
- Terapeuta. O Bernardinho e a sua mãe.
Estremeci... que bela coincidência hoje, avaliar uma criança com aquele nome.
- Boa tarde, como está. - os meus lábios estavam já cansados... o sorriso saiu-me amarelo.
A mãe era alta e morena, bastante bonita e simpática. Cúmulo dos cúmulos, chamava-se Sofia e era mãe solteira. Era otorrino no hospital de Cascais e estava preocupadíssima com o filho.
- Ele não fala...basicamente.
Avaliei-o. Era uma criança metida a besta, cheia de rancor, talvez pelo facto de não conhecer o pai. Falava muito pouco, para uma criança de 4 anos e o que dizia, ou era o seu nome ou o da mãe, ou asneiras...

*

- Isto é inacreditável...
- Peço desculpa...
- Já falamos sobre desculpas, senhora Mariana!
Mariana estava já farta de o ouvir. Queria acabar de preencher os formulários B564 para ir a correr para casa, e desfrutar de um pouco de silêncio.
- Que quer que eu faça agora?
O patrão olhou-a sorridentemente... Mariana havia-lhe prometido este e o outro mundo, antes de partir para o seu café. Sabia o que se esperava dela... e por isso, a camisa desabotoou, enquanto o devasso e perverso patrão, escondia a mão debaixo da mesa...

*

- Bom Doutora Sofia, o seu filho tem um atraso no desenvolvimento da linguagem.
- Isso é grave?
- Depende... se a criança for estimulada bem em casa e se a criança se sentir motivada para aprender... este atraso pode desaparecer num espaço de meses. Se não, num espaço de anos. Mas não se preocupe. Sendo uma mãe preocupada e informada, isto deve resolver-se num período de 6 meses a um ano.
A mãe agradeceu e levantou-se para sair do consultório. Num pulo, a criança também se levantou e dirigiu-se para a porta.
- Ah! Bernardo. O que é que se diz? Isso tu já sabes!
A criança olhou-me nos olhos com desdém e soube no momento que tipo de palavra viria a seguir. A mãe sentiu-se envergonhada e pediu desculpa. Eu disse que não fazia mal enquanto se destruía o meu coração e a minha alma por dentro. A criança chamara-me filho da ... e eu estava sem reacção... Não o era, é certo, mas a ausência dos meus pais, a cada dia me pesava mais...

*

- Já pode ir...
Mariana sentia-se nojenta. Estava farta de usar o seu corpo como instrumento. Queria sair dali e limpar-se pelo que correu para a porta, deixando a sua mala para trás.. entrou no carro e partiu...

*


Cheguei a casa às 22 horas e sentei-me no sofá. Sentia-me estranho, como se não estivesse bem. Sentia-me como sempre: só, triste e amargurado. Procurei a minha Pandora... não a encontrei... devia estar a dormir novamente, dentro da cesta da roupa lavada, na sala das máquinas de lavar. Senti-me um pouco pior e para não ter ideias, arrumei a arma do meu assalto, na segunda gaveta da cómoda do meu quarto. Pus então uma música a tocar. (PLAY)

*


Mariana chegou a casa às 22 horas, exausta e com a alma partida. Queria chorar... mas não conseguia. Queria gritar, mas também não conseguia.... sentia-se presa dentro de si. Mal abriu a porta, procurou a sua salvação, a sua pequena gata Dóris, cheia de energia e beleza. Estava a dormir na sua cesta e não queria ser acordada. Mariana pôs então o radio a tocar... estava na antena dois, e estavam prestes a dar uma ópera. Deixou ficar lá e foi para a casa de banho, tomar o seu merecido banho. Mas parou... algo nela a fez estremecer! No outro lado da cidade de Lisboa, também eu estremeci... e num ápice a nossa vida passou-nos sobre os olhos, entristecendo-nos.
Mariana viu os seus amores fracassados... viu o patrão sobre ela e a desgraça em que tinha caído...Viu aquilo que queria ter feito e nunca fez...

*


Eu vi Bernardo... vi-o naquele dia em que a minha alma se despedaçou... vi os meus pais no dia em que lhes disse que era gay. Vi a minha irmã partindo para frança... Vi a minha infância cheia de amarguradas noites... vi-me a chorar profundamente e comecei a chorar também
Nesse momento, eu e Mariana éramos um... chorávamos os dois, pela nossa existência. Cada um de nós agarrados às almofadas coloridas das nossas casas... Agachados no chão, enquanto a música nos soava pelos ouvidos.

*

Mariana chorava agora com mais força, procurando uma resposta à sua volta. Nada lhe respondia, o que a fez chorar ainda mais... quem a salvaria... quem? E a mim? Quem me salvaria...

Mariana viu então a varanda...


*

Corri para o quarto. Abri a gaveta onde escondera a tesoura azul e retirei-a... olhei o seu brilho... e senti o medo...
Mariana abriu a porta da varanda e também ela sentiu o mesmo...
Chorando... tentámos os dois uma proeza final...
A tesoura azul, das minhas crianças, fez-me chorar e gritar, enquanto a fazia deslizar pelo ar espetando-a no meu abdómen....
Gritei mais um pouco de dor... e ali me quedei...
O mundo parou naquele momento e olhei à minha volta. A minha gata olhava-me do outro lado da sala... eu estremecia de dor e de tristeza... despedindo-me do mundo, esperando pelo meu fim... a música haveria de acabar, comigo ali estendido no chão...

*


Mariana correu para a varanda ganhando força. Correu e preparou-se para saltar. Não haveria falsas tentativas... simplesmente, saltaria do seu 8º andar...
Estava cada vez mais perto... cada vez mais perto... mas algo a fez parar...
- Miau...- inquiriu a gata.
Mariana paralisou...

- Miau...- voltou a dizer.
Mariana chorou mais um pouco e abraçou a sua Dóris, que se pendurava nas suas pernas. Mariana agradeceu-lhe e pediu-lhe perdão...A música já há muito tinha acabado... agora cantava uma soprano, uma música de alegria e paixão...

*
30 minutos depois, alguém entrou pela minha casa a dentro... Talvez fosse a Filipa...Só sei que alguém me chamou uma ambulância e me viu partir quase morto para o hospital...

domingo, maio 20, 2007

Querido João:

Eu não queria fazer isto desta forma, mas a verdade é que não consigo, ou melhor, não quero fazê-lo de olhos nos olhos. Pensando bem também nunca me olhas nos olhos quando me dizes estas coisas, se calhar porque tens medo de mim. Eu também tenho medo de ti, mas não o suficiente para o esconder.
A verdade é, João, que deixei de conseguir ou sequer querer chorar por tua causa. É uma desculpa ridícula? Talvez, mas pelo menos é a verdade. Se já nem para isso serves então isso significa que perdes-te a emoção. Ou então fui eu que a perdi e a culpa é minha, o que talvez te sirva de consolo. Desculpa...
beijo
Carmelo
*
Devolvida por morada insuficiente e falta de selo

sexta-feira, maio 18, 2007

Contagem regressiva para o fim da alma - 13º dia - II

- Clínica Europa, bom dia...
- Olá Rosa, é o João.
- Ah, senhor terapeuta! Como está? - "Pronto... já não se vai calar mais...", pensei eu.
- Estou bem. Olhe, fui assaltado e estou a espera de uma amiga minha, que me vai dar boleia. Por favor desmarque a consulta do Tiago.
- Ah, a mãe dele telefonou a dizer que não podem vir.
- Ainda melhor...
- Ah, que horror menino! Mas está bem não está? Ai estes gatunos... esta escumalha
- Estou bem sim, Rosa. eu...
- Mas sabe o menino tem andado muito despassarado, ultimamente.
Óptimo...mais uma coisa para me atirarem para cima. Estava com uma auto-estima do tamanho de um rato e ainda me vinham dizer que tudo isto era minha culpa..
- Bom Rosa... tenho de desligar...
- A sério menino! VocÊ anda distraído no meio da rua, já tinha reparado, não lhe tinha dito é nada.... e depois vêm esses paneleiros...
Não ouvi mais... automaticamente, qual mecanismo de protecção do ego, o meu dedo deslizou pelo teclado do telefone, primindo a tecla vermelha...mais tarde teria de ouvir, o quão magoada Rosa teria ficado... Só rezava que tivesse ficado tão magoada como eu.

*
- MARIANA! Não lhe disse que queria isto pronto hoje?- o advogado gritava com a pobre secretária. Tinha-se esquecido completamente de que trabalhava e que portanto tinha responsabilidades. Naquele momento da sua vida, Mariana sentia-se sem rumo, sem vontades... caminhava não sabia bem para onde, procurando algo a que se agarrar.
- Peço imensa desculpa, doutor...
- Desculpas... desculpas evitam-se minha cara! Agora que digo eu ao cliente?
" Que só se interessa em "comer" a secretária e que pratica Advocacia nas horas vagas", desejou dizer, mas por uma vez na vida, controlando e lutando contra cada musculo do seu corpo, Mariana travou a sua espontaneidade.
- Assumirei toda a culpa doutor. - Mariana estava já a começar a ficar farta de o ouvir...
- E acha mesmo que isso faz diferença? - Agora é que ele estava mesmo a irritá-la. Num momento de loucura, procurou com a mão o botão da sua blusa, revelando mais uma pouco do seu sutiã. O patrão estremeceu.
- Diga-me o senhor...
- Ababada nadadade. - balbuciou. - fará. Peço desculpa por ter gritado consigo.
E dali se retirou, caminhando em direcção ao seu gabinete.
Mariana livrara-se dele, mas a que custo? Mais uma vez se sentia fraca contra a vida. Não fraca de espírito, que não o era... mas sim fraca por não conseguir ter mínimo de controlo sobre a sua vida. Uma profunda tristeza a invadiu.
*
- Bi Bip!- Buzinou a Filipa. Estava ali há 1 hora à sua espera. Tinha o carro no oficina a arranjar, e só conseguira estar ali àquelas horas. - Sorry...
- Não faz mal... consegui-me livrar das consultas da manhã.
- Queres fazer alguma coisa?
- Estás livre?
- Sim, houve um problema no laboratório...uma bacteria qualquer infectou metade do material... por motivos de segurança ninguém vai trabalhar hoje... - Pipa sorriu. O seu sorriso estava misterioso naquele dia...
- Pipa... por acaso não deixaste cair o recipiente onde tinham essa bacteria pois não?
Filipa soltou uma imensa gargalhada.
- Não! Óbvio! Não me lembrei a tempo!
- Então por quê esse sorriso?
- Depois conto-te. Vamos aonde? Guincho, Sintra?
- Leva-me para onde quiseres.
Partimos dali, em direcção ao desconhecido... ou pelo menos para mim.
*
- Mé! - Joana chegava fardada ao escritório do advogado. Trazia uma rosa para a amiga, uma rosa de um ramo do Bernardo que se estava a estragar lá em casa. Mariana sentiu-se verdadeiramente especial...
- Oi Jô. Não devias estar a trabalhar?
- Não. Pus a Patrícia a tratar da papelada. - disse Joana, enquanto sorria.
- Puseste a mamalhuda a fazer o teu trabalho? - disse Mariana com um sorriso maldoso.
- Sim, por quê?
- Com aquelas proeminências, ela consegue ver os papéis? - riram-se um pouco, descontraindo.- Aonde vamos?
- Não sei... Guincho? Sintra?
- Leva-me para onde quiseres!
- Uiiiii.. está bem. Bora. Ah! E o teu patrão...
Mariana sentiu-se fraca de novo.
- Eu trato disso. - Muito séria, Mariana entrou no escritório do Doutor, com a blusa de novo desabotoada, pedindo para ir tomar café.
- Não devia... mas pode ir... desde que...- por vezes um olhar diz tudo. Os olhos do Doutor fervilhavam como fogo. Mariana sabia o que lhe esperava quando voltasse.
*
- Está um calor que não se pode Pipa!
- Tu é que disseste, leva-me onde quiseres. Eu queria vir ver surfistas ao Guincho.
A esplanada, quase toda feita em madeira e metal, fervilhavam ao sol. Já tinha bebido duas águas e ia a caminho da terceira!
- Então conta lá...porque estás tão sorridente...
Pipa sorriu ainda mais.
- Nem vais acreditar... três gajos fizeram-se a mim hoje!
"Que bom...", pensei.... o velho tópico do jogo de sedução, no qual eu fedia, para falar muito sinceramente.
- Ai é?
- Sim... isto para não contar com o Diogo!
Falámos dos rapazes... eram todos giros e interessantes mas como poderia ela corresponder? Tinha um namorado que adorava e que não queria trocar por nada deste mundo.
- Um é moreno... tem olhos verdes...- e assim continuou as descrições. Eu ia abanando a cabeça, dizendo que sim a tudo, enquanto bebia a minha terceira água. Não podia dizer que me sentia feliz por ela, por isso. Ela tinha já um namorado, e outros a achavam interessantes... óbvio. Era uma mulher poderosa, de sucesso, muito atraente e bonita. Qual era a novidade dos homens lhe caírem aos pés? Só um louco a poderia recusar...
Falámos mais um pouco sobre o tópico e assim passou o tempo. Ela felicíssima da vida... eu triste pela minha solidão e pela minha incapacidade para amar alguém (ou aliás, pela minha incapacidade em fazer alguém me amar...)
Então saímos dali e Pipa deu-me boleia para o trabalho... Quando saía do carro, Pipa fez então a pergunta fatídica:
- É verdade, nem te perguntei... como vai a tua vida amorosa?
- Adeus Pipa...
Saí do carro e entrei no consultório para enfrentar a fúria da dona rosa...
*
- Então, está bom aqui?
- Sintra?As minhas alergias!!! Vou ficar toda fanhosa! - Mariana preferia o sol e a beleza da praia. Preferia o cheio a mar e a alegria da praia. Sintra era simplesmente para ela, uma serra melancólica que a enchia de tristeza...
- Tu é que disseste para escolher...
- Está bom assim, pronto - Mariana ia já no seu terceiro chá verde e na sua 3 queijada...- então conta-me... novidades!
- Não tenho grandes novidades! Só que o meu amor é perfeito...
Desta vez a espontaneidade veio ao de cima. Mariana revirou os olhos, recordando-se de uma colega da faculdade, cujo namorado se chamava Hugo e que dizia que quem não tinha um Gugu, não era ninguém.
- Já sei que não aprovas!
- Não é não aprovar, gaja! Eu não suporto é que falem de relações perfeitas!
- Tu não suportas relações... ponto.
A ferida onde a adaga da solidão se cravava, abriu mais um bocado. Lembrava-se agora da verdade. Não suportava que todos os outros fossem feliz, menos ela...Por quê? Por quê, se ela merecia? Ela sempre fora amiga do seu amigo e sempre tinha ajudado quando podia ajudar, por quê aquele castigo?
- Pronto, está certo... Mas conta lá, vá. Por que é que ele é perfeito.
- Então... ela leva-me rosas lindas todas as sextas... passa pelo meu trabalho para me dar beijos... e na cama.... uiii mé... ele é...
Nem ouviu o resto. Mariana concentrou-se na sua queijada e no seu chá...

"but that was just a dream"

http://youtube.com/watch?v=q_hgEPtvZ-w

Perder a religião significa tirar os joelhos do chão e andar com os pés calçados.
E quer dizer que desatamos um grilhão que nos unia as mãos.
Mas ficamos com um que nos prende a mente e o coração...
Permite despir as velhas e pesadas vestes e perder os gestos rituais.
Em troca de cores que juntas são brancas e gestos impensados.
Perder a religião significa primeiro perder...
Quer dizer deixar de pecar e começar a errar, que é sem dúvida mais humano e mais irrecusável.
E é perder um porquê certo e ganhar um provado.
É deixar de acreditar em ti.
É perder a confiança nos homens.
Perder a religião implica ganhar liberdade para acreditar (em quê?).
Implica aceitar a nossa culpa como única.
E é explicar o que não entendemos, só que com palavras mais complicadas e ideias tão objectivas que deixaram de fazer sentido.
Mas eu quero acreditar em ti, em nós e nos outros.

thinking blogger awards


Antes de mais nada, queria pedir desculpa por ter demorado tanto a distribuir os prémios, e também dizer que como fui eu, fairy dust, que egoísta decidi quem ia escolher sozinha, pus aqui os blogs de alguns dos nossos monstros =P












E cá está! Agora resta a esta gente dar o prémio a mais cinco! Obrigada Alexx por também nos fazeres pensar (e muito) e por nos teres nomeado =)

segunda-feira, maio 14, 2007

Contagem regressiva para o fim da alma - 13º dia - I

Titiri ri. Tiririri. Tiririri.- assim despertou Mariana. O seu despertador cantava aquela melodia irritante, por mais uma vez.
- $#$&/- Mariana praguejou. Aquele seria mais um dia daqueles... mais um passo para a sua decadência...
- Tenho de mudar esta treta.
Mariana levantou-se e caminhou para o chuveiro, ligando-o. A sua gata, a Dorateia, Dora para os amigos, miava-lhe faminta, junto à porta da casa-de-banho.
- Que queres minha linda? Ainda tens comida! -
disse Mariana agarrando a gata. Caminhou então para a cozinha. Estava como sempre desarrumada. Queria lá saber... pelo tempo que lá passava também...Os pratos estavam por lavar da noite anterior, assim como os copos, e toda a loiça e utensílios utilizados para fazer os seus maravilhosos pratos. No dia anterior tinha comida, com Joana, um belo prato francês que tinha tirado do livro de receitas que a mãe lhe tinha oferecido no Natal.
- Aqui tens...-
e mais uma colher de patê deu ela à gata, enquanto um enorme bocejo lhe enchia a boca. Depois, dirigiu-se para o atendedor de chamadas. Nada, nem uma para a amostra.
Sentiu-se deprimida... Porque ninguém lhe telefonava? Queria alguém para falar, não alguém que se limitasse a despejar todos os seus problemas e no final dissesse "Desculpa estar-te a chatear com isto... e tu? Como estás?", pergunta fatídica à qual respondia timidamente "bem", para despachar a conversa que estava já para além do seu orçamento. Sentia falta de alguém que não tinha conhecido... Mas quem? Começou então a fantasiar. Imaginava uma rapariga de cabelos castanhos claros, talvez um pouco aloirados. Uma rapariga super despachada que sabia quase sempre o que dizer e que atitude tomar. E um rapaz... um rapaz amigo, até podia ser gay. Não lhe importava. Queria mais gente na sua vida, não queria mais relações amorosas falhadas. Queria alguém que a soubesse ouvir.
- MERDA! O CHUVEIRO! - gritou, e para a casa de banho foi a correr. A água estava já a empapar a alcatifa do corredor...
*


- AHHHHHH! - gritei saltando da cama, de susto. O raio do rádio cantava a última música de um grupo de rock qualquer. - Credo...ainda hoje me matam do coração.
Um arrepio senti pela espinha. Acordei nesse dia, tão deprimido como nos outros dias. Em baixo, farto de estar sozinho e revoltado ainda com Bernardo. Mas mesmo no âmago dessa raiva, sentia ainda qualquer coisa de amor. Queria algum retorno de emoções. Abanei a cabeça vigorosamente.
"Tira-me essas porcarias da cabeça!".
Decidi então levantar-me. Caminhei como sempre, para a minha casa-de-banho, na mesma rotineira vida de sempre. E liguei o chuveiro pondo a água a correr, enquanto a minha gata, Pandora, miava por comida.
- Já vai! Já vai. Acalma lá o teu estômago! - e para a cozinha me dirigi. Estava como sempre desarrumada. Queria lá saber... pelo tempo que lá passava também...Os pratos estavam por lavar da noite anterior, assim como os copos, e toda a loiça e utensílios utilizados para fazer os seus maravilhosos pratos.... ovo mexido... -
Aqui tens, três colheres de patê, que é para ver se me engordas mulher!
Já que ali estava, fui ver as mensagens. Como sempre, o meu atendedor estava vazio.
- Eles deviam fazer uma frase especial para mim: "Você não tem absolutamente nenhuma mensagem. Porque ainda aqui vem?".
- comentei. Estava farto daquela mesma vida. Queria novas pessoas. Novas pessoas que me ouvissem e que eu pudesse ouvir. Ninguém me contava os problemas, nem sabia muito bem por quê. Eu era uma fonte luminosa, cheia de conselhos para dar, mas sem ninguém sedento por perto.
Pus-me então a imaginar, quem seriam essas pessoas. Imaginei duas raparigas de cabelos longos. Riam-se felizes de alguma coisa. Uma parecia despassarada, mas muito divertida. Outra parecia problemática, e portanto, uma boa candidata para os meus conselhos. Nelas me pus a pensar...
- MERDA! O CHUVEIRO!- a água escorria por todos os lados, empapando a alcatifa do corredor...

*


Após um chuveiro nada relaxante, Mariana saiu do banho, dirigindo-se para o quarto. Nele, evitando sempre o espelho, vestiu-se e caminhou para a cozinha para comer qualquer coisa. Optou por cereais, por que eram cheios de umas bactérias quaisquer que faziam bem aos intestinos e às defesas.
Subitamente, parou. Na colher, o reflexo de si mesma fez estremecer. Não por estar ou ser feia, que não o era. Mas pelo simples facto de ver alguém que já não era igual ao que anteriormente fora. Era alguém mudado. Esgotada, sem forças, sem vontade de ali estar.
Num acto de raiva, deitou violentamente a colher para o lixo e de casa partiu.


*

Saí, após um banho nada relaxante, deixando aquela divisão para entrar no quarto. Parei, abruptamente. No espelho, alguém que não era eu, olhava-me. Via mágoa, via raiva, via apatia. Via um ser sem forças, atarracado pela vida e cheio de tristeza. Vi aquilo que não queria ver. Atirei uma almofada para o espelho, e esqueci aquela imagem. Vesti-me e saí dali.

*

Mariana caminhou para o seu carro, o mesmo carro que já tinha desde os seus 20 anos e para o trabalho partiu. A caminho decidiu sair junto ao mesmo café onde sempre tomava o seu pequeno-almoço. Lá dentro, os donos tratavam atarefadamente dos seus clientes: uma senhora quase obesa e o seu marido magricelas; uma mãe tiazoca e uma criança que parecia amorosa; e uma rapaz.
- Bom dia. - disse-
era um pastel de nata e uma meia de leite.
Lembrou-se então que já tinha comido..
- Aliás! Era só um pastel de nata, se faz favor.
O homem anuiu e colocou o bolo sobre a mesa. Mariana começou a comê-lo e logo após a sua primeira dentada, sentiu os olhos daquela inocente criatura a furar-lhe o crânio. Era a menina. Devia ter os seus 5 anos, se tanto, e olhava-a com aqueles olhos enormes azuis.
- Mamã...por quê é que aquela senhora está triste?
Mariana emocionou-se. Como podia aquela menina ver a sua alma... tão pequena que ainda era...
A mãe altiva olhou para a Mariana e respondeu.
- Não sei querida. Deve ser por ser feia e os homens não a quererem...
– murmurou ela, para que Mariana não a pudesse ouvir. Mas ouviu...
Mariana sentiu-se como fosse vomitar...saiu dali a correr fugindo daquela cobra, aquela vaca! Ela não era feia. Ela lá no fundo, sabia-o. Só precisava é que alguém lho dissesse.

*

Corri para o autocarro e por pouco não o ia apanhando. Não tinha a carta... sim, como sempre alguém em tinha lembrado. Tinha tido demasiadas despesas por mês. Nunca tinha dado. Agora não tinha paciência!
No balançar do autocarro, adormeci. Demoraria ainda 1 hora para chegar ao sítio onde queria.
Quando acordei, 45 minutos depois, estávamos só três pessoas no autocarro: para além de mim e do motorista, um rapaz giríssimo, que parecia ser da minha idade. Tinha os olhos azuis enormers e um piercing na orelha. A barba estava meia feita, meia por fazer...
- Bernardo...-
murmurei. Parecia ele, mas não era. Acalmei-me e esperei pela minha saída. O rapaz não parava de olhar para mim. Estaria interessando em mim? Estremeci com a ideia, alegrando-me. Estaria eu livre do pesadelo do Bernardo?
- ó chefe. Não carregou para sair? -
era o motorista. Tinha-me esquecido completamente de que tinha de sair ali.
- Ah! Desculpe. -
disse e sai. o rapaz levantou-se comigo e também saiu. Nesse momento, o material que trazia nas mãos voou, caindo-me tudo para o chão.
- Merda!
- Isto é teu? -
o rapaz empunhava na mão a minha tesoura azul... aquela que eu usava sempre para cortar os papéis para as minhas crianças na Terapia. Sorri.
- Obrigado. -
agradeci. Mas o rapaz não me queria dar a tesoura...
Subitamente percebi. A tesoura era a arma do assalto...
- Porra... este deve ser o meu dia de azar...
- Telemóvel e carteira.
Lembrei-me do telemóvel velho que trazia sempre na mochila.
- Não vais gostar. Toma...
O ladrão torceu o nariz mas levou o telemóvel. Não conseguiria vender aquilo por muito mais de 5 euros.
- Dinheiro!
Retirei os 25 euros que tinha na carteira e deixei o ladrão com eles partir. A tesoura foi deixada no chão, junto aos meus pés. Retirei então o meu verdadeiro telemóvel e telefonei à pipa.
- Tou?
- Tou pipes...podes-me vir buscar à rua dos Manteigueiros? Fui assaltado...- O meu corpo revoltou-se e senti-me como se fosse vomitar. Talvez porque cada vez mais tinha raiva pela minha fraqueza... talvez porque no chão a meus pés, estava aquela tesoura azul...

sábado, maio 12, 2007

Contagem regressiva para o fim da alma - 14º dia - III

Não comecem já a ler!
http://www.youtube.com/watch?v=xZkgCLjLzU4 (ponham no pause para ir fazendo o download. Não comecem a ler até a barra ficar toda vermelha. Quando estiver comecem a ler.)

3:57

- Parece que já se acalmou, doutor...
- Longe disso. Parece que está num sítio seguro.
- Você acredita mesmo nessa treta da alma e o corpo?
O médico olhou para a enfermeira estupefacto. Como? Como poderia uma enfermeira pensar assim? Se fosse um médico, ainda seria de se esperar. O modelo biomédico ainda se empunha, o "homem como uma máquina", um conjunto de peças e não um todo.
- Essa "treta" aparentemente distingue as pessoas más, incultas e preconceitosas, das sãs, iluminadas e majestosas, senhora enfermeira. O que está acontecer nesta mesa é uma prova disso. Este rapaz precisa de matar os seus fantasmas, para conseguir soltar-se e viver!

*
Estava de novo sozinho. Desta vez, estava deitado no escuro, deixado ao brilho iluminado do luar. Chorava e ouvia a minha ópera... a minha música, ali sentado com a minha solidão. A música entrava-me pelas veias e fazia-me tremer, não por dor, nem por prazer... tremia apenas porque finalmente, alguma emoção me entrava no corpo, na alma e no coração.
Cantava José Carreras, uma ária da Tosca... uma das minhas favoritas... Tudo parecia parar naquele momento. A respiração parava em cada pausa, como se fosse eu a cantar aquela canção. Não a podia cantar, é certo. Mas naquele momento eu não era eu... era alguém igual ao Mário... a personagem que desesperada, cantava pela sua vida. Dizia a sua tristeza e o seu amor por alguém... Dizia a sua solidão naquela cela. Dizia a sua alma.
Eu? Chorava... chorava em cada nota, em cada lamento...
Subitamente o mundo parou. Comecei a lembrar-me de tudo e todos os que me tinha feito mal... os que me tinham odiado sem razão...
Chorei... chorei por todos aquele que nunca me tinham conhecido, por que os tinha afastado... chorei por todos aqueles que não me queriam conhecer...
Chorei pelo gemido de dor da personagem... pelos seus medos e inseguranças... chorei pelos meus...
Chorei pela minha raiva... chorei pela força que me deixava. Chorei pela tristeza! A tristeza e solidão que me prendiam àquele luar.. àquela vida...
Mas que podia eu fazer? Não tinha escolhido aquele caminho, apenas o tinha aceite. Não tinha dito aos deuses, que tanto culpava para fugir da minha culpa, nem ao destino: ´"É por aqui que quero ir".
Senti-me então a desligar-me.. a ir com a vontade de me perder... Senti de novo a vontade de morrer...
- Luta! Luta! - disse para mim, me lembrando das palavras das três raparigas que nos sonhos me apareciam... - Luta!
O meu corpo obedecia... a minha alma não. Estava ferida... estava cansada. Cansada da vida e do medo do fracasso. Para ela chegara a altura de partir...
Chorei mais um pouco... por partir e deixar tanta gente que me odiava... Chorei pelos poucos que me adoravam e que deixaria... Chorei por mim, pelo Bernardo... por aqueles que por ele seriam magoados...
Chorei e Chorei...
No escuro deixado a sofrer...
Enquanto as palmas do público se faziam ouvir...
*
4:35

- Vê senhora enfermeira... Material de reanimação!
Todo o pessoal do serviço vinha apoiar aquela equipa. Todos me rodeavam lutando para que eu vencesse a morte...
- Vá lá! - gritou o médico uma e mais outra vez. As enfermeiras corriam feito loucas, buscando químicos e remédios para me reanimar. Uma segurava-me a cabeça e ventilando-me manualmente... outra segurava-me as mãos, uma estagiária de enfermagem que não tinha nada para fazer.
- Luta! Luta!
Eu quase que os ouvia, na parte de trás, lá ao fundo, longe da minha consciência. Não sentia dor, nem tristeza nem nada... estava apenas solto, livre, voando sobre os meus problemas.
Pela minha cabeça, passavam milhares de pensamentos, e neles vi tudo. Todo o meu passado, todas as alegrias e tristezas que nele habitavam. Se tivesse mais lágrimas e se estivesse consciente, teria de novo chorado... mas estava seco... estava quase morto...
Após 30 minutos.. o meu corpo não poderia ser reanimado... Ainda faltavam 10 minutos....O médico não queria desistir, mas nada mais havia a fazer...
*
Estava vestido de branco, sentado junto a um longo rio. Os meus pés sentiam a sua temperatura quente. Estava livre, mais leve, mas ainda pesado, como se a minha alma não se tivesse libertado dos seus males...
- Carlos.
Virei-me...lá estava ela, qual angélica menina. Trazia também ela vestes brancas, cobrindo o seu corpo branco. Os seus cabelos castanhos, caiam-lhe pelas costas. Nas suas orelhas tão pequeninas, dois brincos verdes, em forma de espiral, se faziam pender.
- Quem és tu?
A rapariga sorriu-me.
- Sou o último mensageiro... Mariana alguém me chamou um dia. Mas sou a tua consciência, sou o que resta da tua alma.
- Estás a perder o teu tempo.
- Por quê?
- Porque a minha alma não quer voltar.
- E o que é que tu queres? - a pergunta feriu-me. Como sentiria eu aquilo? Não tinha mais corpo, apenas alma.
- Eu...eu...
- Tu queres viver! Queres mudar o mundo com a tua voz e com a tua escrita. Queres para todo o sempre ser lembrado. Queres assim corrigir o teu passado!
- Mas isso é impossível!
- Por quê?
- Olha para mim... porque haveria eu de ser lembrado.
- Porque nunca te esqueceste dos outros. Só de ti!
- Esqueci-me sim!!!
De novo me sorriu. Tinha um riso menineiro e uma cara pura de anjo.
- Se tu o dizes...
- Mas como eu te disse... não vale a pena. Não quero voltar. Não mereço voltar.
- Sabes por que é que tens de voltar?
Olhei-a confuso
- Por quê?
- Porque não chegou a tua hora. Ainda precisam de ti.
- Mas eu não mere.. - interrompeu-me. Tapando-me os lábios com a mão.
- Nunca te esqueças disto... se há alguém que merece ser feliz, és tu!
Mariana desapareceu e com isto me pus em silêncio.
*
5:08
- Merda! - 13 minutos depois... estava morto.
- Vai declará-lo?
- ... Hora do óbito... 5:08 - O médico deitou a sua máscara fora. O fígado estava salvo, bastava cozer o pobre do rapaz. - Vê senhora enfermeira... a alma venceu.
Raivoso o médico descarregou no corpo inerte. Um soco profundo, bateu-me no centro do peito.
As enfermeiras começaram a coser...
- BIP. -a máquina fez, por uma vez. O médico voltou-se estupefacto. As enfermeiras pararam também olhando confusas uma para as outras.
- BIP...BIP...- duas vezes e todos se mantinham paralisados
- BIP...BIP...BIP....BIP... - e o meu coração de novo voltou a bater.
- É um milagre! - exclamou a estagiária.
O medico saltou de alegria assim como as enfermeiras. Eu iria ficar bem. Trataram de mim e mandaram para os cuidados intensivos, com as instruções de que nada me dissessem sobre a minha morte e retorno. Deveria ficar um dia nos cuidados intensivos e outros tantos em observação.
*
18:46
- Bom dia! Como extá si sintindo? - uma pronuncia espanhola ouvia, deitado na minha cama. Sorri por me perguntarem como me estava sintindo. E de novo adormeci. De nada me lembrava, nem da morte, nem dos flashbacks... nem da conversa com as minhas quatro mensageiras...

sexta-feira, maio 11, 2007

Contagem regressiva para o fim da alma - 14º dia - II

2:59

- Bisturi.
- Aqui tem senhor doutor.
O meu corpo tinha estabilizado, encontrando uma forma de acalmar a minha alma. Queria viver, por um lado, mas por outro...tanto sofrer, tanta raiva que nunca fora consumida... para quê? E para quê viver, se a minha existência irritava a mais fina das alma, se não era bem-vindo? Estava confuso, queria ir ou voltar, já não sabia.

*
Lá estava eu, taciturno, sentado sobre os degraus da minha escola, vendo um jogo de futebol. Estava à defesa, como sempre, o único sítio onde "Fazia menos asneiras", segundo o meu próprio professor de educação física. Fora das grades verdes que delimitava o campo cheio de rapazes, as raparigas jogavam vólei, num ringue mais pequeno, rindo-se umas das outras, das figuras que faziam para acertar na bola... todas riam, excepto duas. Eram as raparigas mais populares da turma, com os seus 14 anos, vestindo-se "à adulto" e recusando-se a fazer qualquer que fosse o exercício. Tinham toneladas de rapazes atrás delas e nenhum as agradava. Eram senhoras do mundo que traziam nas mãos.
Nesse dia, como em quase todos, cochichavam uma com a outra sobre os seus colegas. Murmuravam risinhos e gozações, sorrindo aos alvos das suas chacotas, sempre escondendo a sua crueldade.
Falavam na altura de uma rapariga qualquer que tinha trazido uma saia "horrenda", demasiado alternativa e fora dos parâmetros normais, isto é, fora da noção de beleza das raparigas e rapazes que saiam, quase de fábricas, em molhos de produção em massa.
- Carlos! Olha a bola!
Corri e chutei. Pela primeira vez, a bola voou para a frente em direcção à baliza. É certo que não tinha marcado, mas pelo menos, não tinha feito auto-golo. No fim do jogo, os meus colegas, congratularam-me e seguimos para os vestiários. Quando saí, lá estavam elas, rindo agora de outra rapariga. Talvez pela blusa, ou porque gostava de qualquer coisa ou de alguém que não era suposto.
- Já viste Carlota? Como é que ela gosta dele? Ela não se manda?
- Sei lá. Ela até nem é feia, mas aqueles vestidinhos... ui.
O seu veneno, deixava-me mal disposto. Saí dali em direcção ao novo ginásio, para ouvir uma palestra de início do ano, dada pela directora da escola. Sentei-me ao lado de um colega, moreno, de olhos verdes ou azulados, já nem sei bem. E comecei a ouvir.
Aos poucos, apercebi-me das suas mãos, do seu corpo, e da sua beleza. Então compreendi o que era, mas não que estava destinado a sofrer. Sorri para mim e ri-me com a hipótese de ter alguma coisa com ele. Seria eu também "aquele menino bonito que não se manca?"
*
3:06

- Aspiração.
- Aqui tem doutor.
- Isto estava feio, mas o rapaz deve conseguir aguentar-se.
- Como é que alguém pode fazer isto uma pessoa?
- Todos somos capazes de tudo. E quem nos garante que não foi ele próprio que se tentou destruir?
- Doutor! - disse ela ultrajada
- Quem nos garante? Podia estar farto desta vida. Podia estar em sofrimento e pensou que era o que tinha a fazer. Gaze!
- Há sempre solução, doutor...
O doutor Galvão, assim era o seu nome, pousou a gaze e olhou a enfermeira nos olhos.
- Solução há sempre. Mas nem sempre um coração cego, a consegue ver.
*
A palestra chegou finalmente ao seu fim e saí dali. Trazia no rosto alegria estampada, porque finalmente me tinha encontrado. O mundo parecia cheio de possibilidades, de alegrias e de vitórias. Parecia que estava de novo bem...
- Achas mesmo? - ouvi. Era Carlota, falando com a sua amiga. Cochichavam de alguém.
- É.. não vês o jeito dele... ele é 'tou te a dizer!
- Não pode!
O meu estômago revirou-se. Senti a alma a tremer, a tentar fugir, a tentar abandonar o meu corpo. Foi então que ouvi aquilo que sempre ouvira. Paneleiro, eu era, dizia a outra rapariga, e como tal, não merecia viver.
*
3:24
- Deves estar a gozar com a minha cara!
- Outra vez doutor?
- Este rapaz está outra vez a morrer. Passem-me o material! Já!
*
Chorava. Num mundo perdido das minhas recônditas memórias, chorava... naquele sítio estranho onde antes tinha falado com a minha vizinha, chorava...
Todo o sofrimento, ou pelo menos assim pensava eu, aflorava-me a pele, ferindo-me lentamente e cruelmente, até eu gritar de dor. Mas a dor não era no corpo, era na alma. Não suportava a ideia de não gostarem de mim? De tanto que tinha dado, de tanto que tinha feito, como me podiam odiar? Não era eu que escolhia ser gay. Não se escolhe, aceita-se. É apenas um comportamento orgânico, uma resposta do meu corpo a outro. Como os homens amam as mulheres, pelas suas formas e hormonas, e as mulheres os homens, assim amava eu, quem não me queria...
Restava-me aceitar o que era e viver feliz. Mas como podia eu, se todos me negavam a felicidade? Como?
- Lutando.
- Quem está aí?
Uma voz e um vulto por entre o nevoeiro se fazia ouvir. Por trás das núvens obscuras do meu ser, uma rapariga de cabelos longos e preto, que não conhecia, falava-me. O seu nome era Joana, como assim se apresentou. Não me conhecia nem tinha nada a ver comigo. Apenas mais uma vez, a minha consciência tomava uma forma estranha mas estranhamente familiar. Teria sido alguém próximo noutra vida?
- Lutando contra aqueles que te querem mal...
- Mas para quê lutar. Sou um.. estou sozinho contra o mundo..
- Não estás sozinho nem abandonado. Procura aqueles que te sabem e querem proteger e sê feliz, mas vive!
- Não quero!- gritei! - não quero passar pelo mesmo uma e mais uma vez!
- A vida é um jogo vicioso, que anda em círculos. Como diz o ditado chinês, "Um relógio parado, está certo pelo menos duas vezes por dia". Nada acontece só por uma vez. Viverás esta tristeza uma e duas e três vezes. Só tu, podes fazê-la desaparecer...
*
3:37

- Isto está complicado!
- O coração dele está em perigo?
- Sim. Não o podemos reanimar muitas mais vezes... aliás, só o podemos reanimar, sem que haja lesão do pericárdio, por mais uam vez... é bom que ele lute.
O meu coração tinha já recomeçado a bater, há um minuto. Para o médico, não havia dúvidas. Estava a lutar contra mim próprio... restava saber quem poderia vencer...
*
- Carlinhos!
- Não me chames isso, porra!
- Pronto. Carlos, preferes?
- Não pipa! Odeio o nome!
- Daqui a dois anos, se quiseres, podes mudar.
- Para quê? Muda-se a farinha, o forro é o mesmo!
Estávamos numa das tantas aulas de laboratório, sentados naqueles bancos desconfortáveis. Tinha de me habituar, se queria ir para Química. Pipa não tinha ideia nenhuma para o seu futuro. Queria apenas uma coisa que lhe desse dinheiro, que não tivesse a ver directamente com saúde e que a satisfizesse.
- Já sabes para o que vais?
- Naaaa. Acho que vais ser na recta final, no 12º ano, que vou decidir.
Rimo-nos com a hipótese. Como se veio a confirmar, Pipa escolheu só no 12º ano, a área de Bioquímica. Eu, que antes queria brilhar no mundo da química, decidi desocupar-me dessas ideias e pensar numa coisa que me fizesse realmente feliz. E o que faria mais do que o canto ou qualquer coisa a ver com isso? Nesse ano tinha subido ao palco e todo o mundo me tinha aplaudido, quando cantei naquela noite o "Strangers in the night", tremendo de medo mas não dando a notar. Por momentos, senti-me querido, amado e feliz. As pessoas gostavam realmente de mim, era bom em qualquer coisa! Estava feliz... feliz e apaixonado...
Na frente da minha banca, uma cara familiar se sentava. Nas aulas normais, piscava-me os olhos e sentava-se ao meu lado. Fazia brincadeiras e fazia questão de me dar os bons dias com um sorriso enorme, chateando-me até eu responder. O mundo parecia perfeito... estava feliz e cheio de dúvidas. Estaria ele interessado em mim? O passado ficou para trás, no momento em que o ouvi dizer, tinha eu já 18 anos e não 16, que "estou demasiado preocupado e não estou a aproveitar para curtir com quem quero", numa viagem de finalistas, em que por três bocas ouvi aquela triste e mesma palavras. Uma delas, foi a dele.
Rapazes e raparigas cochichavam sobre mim, chamando-me Carlinhos à frente e a trás conspirando, todos interessados em saber se tinham ou não algo para me fazer sofrer. Todos, à excepção da Pipa e de outros poucos, me faziam de bobo da corte, o "Paneleiro" da turma... o pobre e coitado enfermo infeliz...
*
De novo estava noutro sítio. Agora sentado com pipa. Deitados estávamos sobre a relva, do que fora o pátio do meu antigo colégio. Eramos crianças, mas falando como adultos...
- Vais desistir?
- Não sei...
- É melhor que não... na próxima vida ou no além dou cabo de ti!
- Eu sei...
Rimo-nos um pouco e abraçamo-nos. Aquela era uma amiga de 14 anos, era uma pessoa de confiança. Com ela sentia-me seguro, tal como com todos os amigos meus. Com ela não ouviria nunca a palavra proibida, nunca sentiria ódios por ser quem sou. Ela e mais três pessoas, faziam-me sentir bem.
- Mas e se apartir daqui for igual?
- Não sei...mas e se não for?
- Mas e se for?
- E se não for? Podemos estar aqui a noite inteira se quiseres...não me vou calar com isto. Sabes que uma coisa aprendi com a vida...
- O quê?
Mais uma vez a consciência me falava. Os meus velhos ideais ao de cimo pareciam querer vir.
- Que a vida é equilíbrio.
- Equilíbrio?
- Sim... tudo no mundo tem ordem e caos. Tudo isto, incluindo nós, se gere por homeostasia. Quando algo de mau está a acontecer na nossa vida, é porque algo de bom, vem aí!
- Como sabes?
- Não sei... acredito! Acredito que sim, porque se não ninguém vivia, com medo de perder. Estás em tempestade, quem te garante que a seguir não virá a bonança?
- Não sei...mas isto é tão difícil...
- Ninguém disse que era fácil. - disse rindo-se.
Pipa desapareceu e eu fui deixado, desejando que tivesse em vida um volte-face da ampulheta, que controlava o meu equilíbrio...