sexta-feira, agosto 24, 2007

A verdade... (III/III)

Post musicado. Por play quando disser e só quando a barra estiver preenchida


Estou de partida, minha gente... partida para algures onde não ninguém sabe como é. Tenho de ir... o meu tempo nesta terra finda-se ao segundo. O meu assassino será descoberto hoje, se a polícia conseguir somar dois mais dois...

- Então aquele estúpido deixou e humilhou aquele pobre rapaz?
- Como posso ter eu estado apaixonada por aquele monstro? Como posso ter sido tão cega!
- O amor cega-nos...
- Estupidifica-nos... acho que é a palavra mais correcta!- Joana e Mariana sentavam-se à mesa, cada uma delas com uma chávena de chá. Joana estava com uma olheiras que lhe chegavam aos joelhos... Mariana estava cansada e irritada. As duas, nas duas horas anteriores, não tinham feito mais nada para além de criticar todos os homens das suas vidas. O único que parecia imune, ainda que fosse um perfeito desconhecido para ambas, era eu. Sentiam-se estranhamente complacentes com a minha situação.
- E novidades do caso?
- Nada... soube ontem pelo Bernardo que a única pessoa que poderia estar associada à sua morte, era o pai dele.
- Boa! Então não o podem prender?
- O pai dele, é o advogado Alberto! O amigo do teu patrão... não temos nada que aponte que tenha sido ele. Até o pode ter feito, mas então pediu a alguém para escrever a carta. Ah! E o Bernardo também me falou de alguém que tinha sido a causa da morte do avô do Carlos. Pelos vistos, alguém o enganou e o rapaz estava a reunir provas para o pôr atrás das grades!
-Hmmm. Bom, não sei...Tenho de ir embora. Não vais trabalhar hoje?
- Vou mais daqui a bocado.
- Então fica quanto tempo precisares querida. Beijinho. - naquele dia, Mariana ia trabalhar quase sem nada na pasta. Enquanto saía da casa e se despedia da sua gata, sentiu-se grande e importante. Por que seria?
Não sabia ela, que estava prestes a desvendar o mistério da minha morte...



*
A luz está mais próxima... e eu cada vez mais longe da vida. Ai, como posso ter eu não aproveitado cada momento? Como posso eu ter ficado aqui parado, inerte, esperando que a vida e a solidão me atravessassem, sem que eu tivesse qualquer controlo sobre elas?


*
- Bom dia Doutor.
- Mariana... queria falar consigo.
- Sobre?
- Sobre nós... não temos...- Mariana parou de arrumar as pastas e olhou nos olhos o patrão. Suspirando, ganhou assim forças para o enfrentar.
- Lamento doutor. Esse departamento já fechou. Nunca mais, se depender de mim, vamos ter relações sexuais. Acho que já desci baixo demais...
- O QUÊ?! Eu dei-lhe folgas e aumentos e agora nega-me a minha única fonte de prazer?
- Estou no meu direito! - disse indignada!
- Não, não está!
- Desculpe?!
- Eu sou o seu patrão! Eu mando em si! - Mariana sorriu-lhe e agarrou-lhe pela gravata!
- Não doutor. Você nem ninguém manda em mim. E a partir deste momento. Já deixou de ser o meu patrão... Eu demito-me!
- Não se demite nada! Eu é que a despeço. Acabe o trabalho que tinha para hoje e amanhã pode esquecer este trabalho! E este mês não vai receber um tostão!- gritou o advogado batendo a porta do seu escritório.
- Veremos... - murmurou Mariana.
Tendo pouco trabalho por fazer, Mariana decidiu acabar o arquivo e o resto que lhe faltava acabar. Decidiu começar por passar a carta do advogado a computador.


" Caro Senhor Abel. Venho por este meio informá-lo que qualquer decisão legal que o juiz possa vir a tomar contra o meu cliente, Dr. Alberto Fernandes, será acatada. Deste modo, proponho o seguinte pacto."


Mariana congelou... Aquela letra... seria? Ou estava a ficar maluca. Decidiu telefonar à Joana.
- Jo! Manda-me uma fotocópia da carta, por favor.
- Por quê?
- Depois explico! Por favor! Manda-ma já!
- Ok ok! Te já.
Mariana colocou-se ao pé do fax. Em pulgas, esperou 10 minutos, até que o fax começou a apitar. Ali estava a carta do meu assassino. Ali estava a carta que o seu patrão escrevera para um cliente. Tremendo... Mariana deixou-as cair... A letra era igual. O assassino era o Doutor Sampaio Neves, o homem com quem dormira.
Numa frenética busca, revirou todas as pastas com a fiscalidade do advogado. Numa verde, que dizia 2003/2004, lá estavam vários documentos importantes: Uma notificação da polícia, em como tinha sido constituído arguido num processo de fraude e falsificação; uma carta do juiz a combinar o valor do suborno; uma carta do tribunal a dizer que por motivos de falta de provas, o caso estava arquivado; e junto a elas... as cartas que Mariana tinha arquivado, pensando que se tratava de um cliente irritado, as cartas onde convenientemente tinham sido esborratadas por café. Aquele al.. não era de Alberto, mas sim de Carlos. Carlos Faria.
Mariana tremia agora por todos os lados.
- 'Tou Joana! Vem já para aqui! Eu sei quem é o assassino.
- O que estás para aí a dizer?
- É o advogado. O meu patrão! A letra é a dele e encontrei as cartas que o Carlos mandou para a pessoa que tinha sido responsável pelo suicídio do avô.
- O quê?
- Diz aqui: " Nunca o perdoarei por ter arruinado a vida da minha família... Tenho as provas necessárias para arruinar a sua!"
- Tens a certeza?
- VEM DEPRESSA! Estou em pânico!
- Mariana.- a porta do escritório abria-se. Mariana desligou apressadamente o telefone e arrumou a secretária.
- Sim doutor?- disse numa calma transtornada.
- Preciso que vá à farmácia buscar uma pomada para a pele seca. Qualquer coisa que segurei, deixou-me uma marca horrível na palma das mão, e está-me a fazer impressão.
Ao abrir a mão, lá se viam as marcas... ele próprio tinha morto Carlos. Aquelas marcas eram de uma corda!


*
Meia hora depois, para descontentamento de Mariana, a polícia chegou. Mal a viu, o advogado tentou fugir, mas em vão. A sua letra foi comparada pelos experts, com a letra da carta do assassínio; o seu carro foi passado a pente fino e no seu porta-bagagens, foi encontrado uma mecha de cabelo cujo DNA coincidia com o meu. As marcas da corda, a confissão do crime... e tudo mais, levaram o grande advogado à prisão. Porque o fizera? Simplesmente por pura ganância. O seu império estava construído sobre um monte de farsas e fraudes e não ia tolerar que um empecilho o derrubasse.
*
PLAY
- Caros amigos. Estamos aqui reunidos...
Na igreja do Estoril, juntava-se família, amigos e pessoas que não me conheciam. Lá estavam na primeira fila, os meus pais. Atrás, chorosa com uns grandes óculos de sol, estava Pipa, de mão dada com Pedro, ainda chocado e assustado por estar na igreja onde jazia o corpo daquele que tinha sido assassinado pelo seu próprio pai. "Que ninguém me reconheça!", pensou. Naquele momento, sentia só raiva da vida e uma grande compaixão pelo rapaz que abrira e remexera sem grande pudor, na sua pequena sala da morgue.
Ao fundo da igreja, sentava-se a psicóloga, também ela vestida de preto. Ao seu lado, Joana e Mariana sentavam-se quietas, cheias de respeito por um rapaz que tinham conhecido por minutos. Todas elas achavam estranho o facto de todas aquelas pessoas estarem ligadas por algum motivo. Neste caso, por mim: Pedro, porque o pai me matara e porque namorava com Pipa. Vanessa por ser minha psicóloga e minha vizinha. Mariana pelo hospital, e Joana, ainda que de uma forma quase cruel, pelo Bernardo.
- Ide em paz irmãos. Que este dia, seja um dia de luto para todos nós.
O corpo que correspondia a esta alma penada, era agora carregado dentro daquele pedaço de madeira, por diferentes primos e pelo meu pai. Com pesar, o meu caixão foi atirado para dentro do carro funerário e levado para aquela pequena localidade com que eu gozara anteriormente. Um lugarejo chamado Alto dos Gaios.
Aí, o meu caixão foi descido, ao som dos choros e lamurias de várias pessoas. Entre elas, aquelas quatro raparigas que melhor ou pior me conheciam e que se mantinham ali junto a mim, naquele que era o meu último dia neste mundo.
- Joana, aquele não é? - era sim! Ao fundo, vestido de preto, com uma rapariga no braço, era Bernardo. Parecia que até os monstros conseguiam ter um mínimo de respeito por alguém.
- Porra! O que faz ele aqui?- disse Joana. Pipa estava ao lado e olhou também. A rapariga ao lado de Bernardo era a Sofia. Pelos vistos, ele não me respeitava minimamente...
Subitamente, sem controlo de si, fervilhando por dentro, deixou a campa e andou para ele.
- Pipa, como estás? Eu vim...- mas Bernardo não acabara a frase. Uma mão em forma de punho estava já a percorrer o ar em direcção à sua cara, acertando-lhe nos dentes incisivos.
- Isto é pelo que fizeste ao Carlos. - ao longe Joana ria-se da situação e quase que aplaudia.
- Estás parva?- as palavras saíam-lhe de uma forma esquisita, como se lhe faltassem dentes. E de facto, faltavam-lhe. Mal tirou a mão da frente, a sua boca foi revelada. A vingança estava consumada. Pipa partira-lhe aquele sorriso sedutor. Os dois incisivos da frente tinham-lhe saltado do sítio e estavam agora no chão.
- E tu minha puta! Vai-te embora!- disse Pipa voltando para junto de Pedro, que caladinho, não fez qualquer menção em ajudar a irmã.
- Prazer! Joana. A ex-namorada do Bernardo!- apresentou-se ela a Pipa, congratulando-a pela atitude.
Quando o funeral acabou, Pipa largou por momentos o Pedro e juntamente com a Vanessa, a Joana e a Mariana, decidiram ir tomar um café e falar daquele rapaz que toda a gente conhecia tão mal...
*
Adeus vida... hoje eu parto.
Meu amor... que te perdi tão bem perdido... e estranho é que me arrependo por vezes, quando só eu sofri... Mas não te prendas tu com meu sofrimento. Voa para longe, e poisa teu veneno na alma de quem te quer. Mas que um dia, por mera vingança do destino, e para contentamento meu... que alguém te magoe a alma, como tu magoas-te o espírito meu...
Adeus...
Adeus...
...
---FIM---

quinta-feira, agosto 23, 2007

O médico monstro

Dr. Marcelo (que nome respeitável) deveria estar na clínica às 09:00h. Como tal, achou razoabilíssima a ideia de apanhar o metro pelas 08:55h.

Como detestava aquele eufemismo do mundo que era o metro lisboeta de manhã! Detestava os escriturários vulgares que apanhavam todos os lugares sentados com a sua mania de correr para os transportes; detestava os trabalhadores negros e o cheiro de todos os estrangeiros operários; mas sobretudo detestava aquelas velhas senhoras convenientemente cegas que se arrastavam pelas carruagens pedindo auxílio! Como o empatavam aquelas velhas, a ele, médico com tanta pressa na ceifa de vidas e colecta de expólios que os doentes ofereciam voluntariamente.

Ouviu o telefone tocar sobre a tumultuosa multidão cadavérica da manhã (porque não pegara ele no mercedes, logo hoje!). O número era o do seu filho. Que queria aquele pequeno sanguessuga? Já não lhe bastava a pensão de alimentos que lhe extorquia todos os meses desde o divórcio? Pôs o telemóvel em silêncio e decidiu não se incomodar mais com a família! Não estava separado afinal?

Uma perfumada loura dos seus vinte anos sentou as suas tenras e generosas carnes ao lado de dr. Marcelo. Suculentíssima criatura! Ela de nada sabia, mas acabara de garantir a Marcelo e à sua nova esposa uma linda noite de amor. Que havia de melhor do que uma jovem na mente e uma velha esposa na cama?

09.20h. Dr. Marcelo recusava-se a atender qualquer paciente antes do seu segundo pequeno almoço. Entrou no café custumeiro e pediu um café e uma bola de berlim. A roliça empregada tardou a servi-lo (baleia inútil!), mas como esse não era comentário conveniente, Marcelo apontou para a fotografia da pequena Madeleine e sussurrou-lhe:

- Que tragédia...

Contagem progressiva para a verdade II/III

Dia 32...

Como é triste o fim de uma vida... Ali estava eu, jazido sobre a mesa, com um pano azul que tantos outros havia coberto, à espera da divina solução do meu assassínio. Toscos... bastava entrar dentro da minha casa para descobrirem quem ele era. Também não era difícil. Tantas ameaças já ele me tinha feito. Tantas vezes tinha dito para deixar aquele assunto e me preocupar com a minha vidinha...
Mas como era possível? Ainda me doía muito aquilo... mesmo depois de morto. Não podia levianamente deixar aquele episódio da minha vida se libertar da minha memória...
Queria vingança, e por isso com ele tinha insistido para contar a verdade.
- É ele? - perguntou Pedro a Pipa que como uma estátua, já vestida de escuro, se erguia perante o meu corpo.
- É ele sim. - disse chorando e procurando algum alento, agarrou-se ao seu antigo "médico de família". Ali jazia para além de mim, uma entidade. O Amor. O amor perdido entre aqueles dois, por uma simples e egoísta necessidade de si próprio de Pedro. Ali jazia uma relação, que estava prestes a renascer...

*
- Mariana. Importa-se de chegar aqui, por favor.
- Claro. - Mariana estava mais do que coberta nesse dia- Não sabia por quê, mas estava também ela vestida toda de preto. Talvez por respeito ao rapaz que tinha morrido, o rapaz que tinha conhecido num dos seus fins-de-semana no hospital, como voluntária. Talvez por luto a ela própria, e ao quão baixo achava que tinha descido, para conseguir derrotar a maldição e o azar que se pareciam perpetuar, desde a sua adolescência, até àquele momento.
Na sala estava Alberto, pai de Bernardo. Trazia-se muito feliz, mas cauteloso. Trazia-se com compostura, mas ao que parecia, uma compostura prestes a ruir. Por baixo do seu semblante, cada célula tremia. Subitamente Mariana sentiu um arrepio. O primeiro de três que estava prestes a sentir.
- Precisamos que passe esta carta a computador e que envie para o remetente que ai vê.
- Não me podia ter dado logo isso. Era preciso ter vindo aqui?- estava particularmente agressiva e insubordinada. Estava farto da sua objectificação quase voluntária.
- Não podia deixar o meu colega Alberto desiludido.
Mariana sentiu-se a corar e desejou que a sua vida muda-se ali. Queria que ambos fossem para o inferno e que lá fossem castrados com uma gillete. Por quê com uma gillete? Não sabia, e até se riu da ideia. Achava que assim sofreriam mais.
Saiu da sala e sentou-se à sua secretária, abrindo a Internet. Logo na página inicial, só se via a fotografia do rapaz assassinado.
- Coitado... tão novo...bom. Parece que alguém fez o que ele ... e eu... não conseguimos levar a cabo. Deixa lá ler isto
" A polícia judiciária ainda não encontrou qualquer prova que aponte para um suspeito. Toda a investigação assenta numa carta que a vítima teria consigo no momento da sua morte."
A sua leitura foi interrompida por um riso (e seria um som de um brinde?) vindo da sala onde o seu patrão e o amigo parvalhão e tarado, estavam. De novo sentiu um arrepio. O segundo dos três.
Decidiu então largar a Internet e começar a passar a computador a carta.
"Caro cliente. O juiz tomou uma decisão legal em Junho, sobre a custódia dos seus filhos".
Mariana não conseguia escrever mais, a partir das palavras "decisão legal". Um novo e último arrepio e uma certeza horrível, acentou-lhe na alma. Seria o seu patrão o assassino? Olhou para a assinatura. A carta não era do advogado Sampaio Neves, mas sim do seu amigo Alberto.
Mariana lembrou-se então das ameaças que ele estava sempre a fazer a não sei quem. Motivos tinha. O tal rapaz, se fosse o Carlos, tinha namorado com o seu próprio filho. Ora para um advogado cheio de preconceito, porco e machista, tal seria motivo suficiente para acabar com a raça do próprio filho.
Mariana nem pensou mais. Levantou-se e correu para a esquadra da polícia, que não ficava muito longe dali.
*
- O homem que não se despacha!!!
- Calma Mariana. Isto demora muito tempo a comparar as cartas. É preciso ver letra a letra.
- E depois. Podem prendê-lo?
- Podemos conseguir um mandato do juiz para revistar a casa dele, o carro e ainda outro para procurar lesões corporais nas mãos.
Finalmente, para alívio de Mariana, saía do cubículo onde se tinha metido, o especialista em análise da grafia das pessoas.
- Lamento. Não tem nada a ver a letra da carta e a letra desse tal Alberto.
Mariana não sabia se havia de respirar de alívio, por não ter estado ao pé de um assassino, ou se havia de se sentir desiludida, por não ter conseguido ajudar.
- Volta para o trabalho Mary. Infelizmente não é o nosso assassino.
Mariana levantou-se e saiu da esquadra. Quando voltou, ainda se ouviam risos dentro do escritório.
*
- Estou estafada, com este novo caso...
- Qual, o do miúdo da televisão?
- Sim. Carlos Faria. Foi assassinado...- disse Joana com um tom tenebroso.
- Menos um.
-Desculpa?
- Menos um gay por ai!
- Como podes dizer isso de uma forma tão leviana?
- Eu conhecia-o. Era um paneleirote que andava por aí!
- Como é que o conhecias?
Bernardo parou de cortar as cenouras que iam ficar muito bem no jantar em que ia sentar-se ao lado da Joana e dizer uma palavra que nunca pensava que iria dizer tão depressa. Parecia que ao fim de um mês, estava de novo a apaixonar-se. Não apaixonar-se como se tinha apaixonado por mim. Que isso era falso! Estava mesmo a ficar apanhado pela polícia.
- Eu... não te posso contar.
- Conta já!
- Por aí. Olha vou à casa de banho. Vou à casa-de-banho- e Bernardo saiu da cozinha.
Joana estava irritada com a vida, mas naquele momento, precisava daquela informação. Tudo o que apontasse para o assassino do rapaz, era um passo para a resolução do problema.
Decidiu, na sua condição de curiosa, de revistar as gavetas da casa. Primeiro não encontrou nada... até que.
- O que é isto?- Joana murmurava. Na sua mão, num retrato que não tinha sido deitado fora por Bernardo, viam-se dois rapaz a beijarem-se apaixonadamente.
- Joana eu...
- O que é isto? - perguntava Joana a Bernardo que voltara à cozinha.
Bernardo suspirou.
- Queres que te conte?
- Sim!
- Eu tive uma experiência... homossexual com o Carlos. Acabei com ele... ou aliás, ele descobriu-me com uma mulher. - Por que lhe estava ele a contar aquilo tudo? Joana devia ter um grande poder de persuasão.
- E quando tencionavas contar-me? Que mais sabes tu deste rapaz? - num misto de ódio e curiosidade, Joana debatia-se contra si própria. Queria saber do rapaz, mas preferia não saber, para não o odiar mais...
- Andámos durante 6 meses, o meu pai nunca gostou. Ele andava sempre a telefonar-lhe a oferecer-lhe dinheiro.
- Como se chama o teu pai? - Joana estava já a berrar
- Alberto! Tem 56 anos e é advogado. - Joana sentiu pena naquele momento. Mais um suspeito que ia para o galheiro.
- Mais alguma coisa? Sobre ele?
- Era Terapeuta da fala...
- Sim sim! Isso os pais já me disseram. Alguém que o odiava?
- Além do meu pai, que não pode ser culpado! - acrescentou - talvez um homem, que tinha sido o causador da morte do seu avô. Que os tinha levado à falência...
- Nome?
- Não sei... querida eu...
- Não me venhas com querida!
- Eu...
- Tu o quê?
- Eu ia-te dizer ao jantar o quanto te adoro e ... que quero que isto dure...
Agora era Joana que suspirava...
- Querido. - disse em tom irónico. - eu também de adorava... mas a partir deste momento sinto nojo de ti. Nojo não por teres andado com um homem, mas pelo que lhe fizeste! E quanto à duração disto... esquece... acabou. Preferia enfiar a minha língua pelo rabo de um boi acima, do que passar mais cinco minutos contigo.
E correndo porta fora, Bernardo deixou de existir para ela, deixando-o desfeito.
- Estou Mary!- disse a chorar ao telefone
- Que se passa?
- O que passou? A minha estupidez aguda... nada é perfeito, muito menos um ser humano.

terça-feira, agosto 21, 2007

Contagem progressiva para a verdade I/III

O meu corpo entrou naquela noite na morgue do Hospital de Santa Maria. Tratando-se de um possível crime, o Hospital de Cascais não tinha autoridade (nem legitimidade) para me abrir ao meio e remexer nos meus órgãos internos.
De serviço naquela noite, estava Pedro, um médico que estava no 1º ano de especialização, e que, destino dos destinos, tinha sido namorado de Pipa, até que uma certa polícia mamalhuda (Susana), o tinha "papado" (ou vice-versa), algures no meio das ruelas do Bairro Alto.
- Hmmm... estas marcas... ele não morreu de afogamento...
- Então Doutor? Posso? - à porta da morgue, extremamente enjoada ( e enojada), entrava a polícia Joana Silva. Tinha vivido quase 3 anos com Mariana, até que tinha decidido mudar-se. Namorava actualmente com o meu ex (que conveniente...) e estava prestes a descobrir que tudo na vida está em constante mudança...
- Entre, entre!. - disse Pedro - estava a fechar já o corpo.
- Então, qual foi a causa de morte?
- Definitivamente, isto não foi um acidente. Está a ver estas marcas no pescoço? A causa de morte foi estrangulamento. Alguém o estrangulou com uma corda.
- Hmmm... não devo conseguir DNA, muito menos impressões digitais do pescoço da vítima. Esteve bastante tempo dentro de água...
- Pois. Vai ser difícil apanhar alguém.
Joana olhou finalmente para a minha cara...
- Oh não! Eu lembro-me dele... é o rapaz do café!
- Conhece-o?
- Sim. Tomei uma vez café com ele, porque eu estava sentada no sítio onde ele se customava sentar...coitado. - dizia ela horrorizada. Demorou um pouco a recompor-se. Depois, prosseguiu com a investigação.
Ao lado do meu corpo (e da minha alma que como espectro sobrevoava a mesa onde jazia o meu corpo), uma pilha tinha sido feita, com toda a minha roupa. Nada poderia ajudar à investigação... excepto.
- Bingo! Estamos a chegar a qualquer lado...
- Então? - Joana retirava um pedaço de papel do bolso direito das calças. Era a carta que o meu assassino escrevera para me convidar para a minha morte...
- Obrigado Doutor. Tenho aqui material para pesquisar. Já identificou a vítima?
- Não, ia agora mesmo. - Pedro caminhou para a pilha de roupa, procurando uma carteira.- Aqui está.
A carteira caíra no chão aberta, mostrando a minha foto e o meu nome. Pedro ficou pálido, quando compreendeu que de novo tinha de telefonar à Pipa, pedindo que viesse à morgue identificar o seu amigo de infância, Carlos Faria...

*
- TRIMMM
- Estou? - Pipa pegou no telefone quase sem que este tivesse tocado.
- Pipa...
- O que é que queres meu...
- Ouve-me! Tenho más notícias para te dar...
- Diz...- disse nervosa e quase com a certeza do que ia ouvir a seguir
- O Carlos está... morto.
Pipa não ouviu mais nada, deixando cair em choque o telefone. Tinha de avisar a minha família e muitas pessoas. Mas naquele momento não conseguia fazer nada... estava simplesmente desligada. A tremer de nervos, agarrou numa almofada e no silêncio da noite, chorou a perda de alguém. Na manhã seguinte telefonou aos meus pais, que por serem meus pais, não conseguiram deixar de chorar.Afinal muita gente sentiria a minha falta. Isso deu-me algum alento, ainda que fosse tarde demais...
*
No dia seguinte....
*
- Desculpa aparecer assim querida!
- Não faz mal...
- Fiquei mesmo abalada... o rapaz parecia era tão calmo. Tão pacífico. Tão simpático...
- Calculo que sim. Já há alguma pista para o assassino?
- Não... só temos uma carta que por acaso sobreviveu à água. Ainda se conseguem ler umas palavras. - Joana retirou um pedaço de papel do bolso. Era uma fotocópia da carta encontrada na minha roupa...
" Qualquer decisão legal ~~~~~~ encontro no jardim ~~~~~".
- É suficiente para incriminar alguém?
- Sim. Se encontrarmos a pessoa, basta analisar as mãos dela. Para estrangular o rapaz, terá sido preciso muita força. Ele tem obrigatoriamente de ter cortes nas mãos. E claro podemos verificar o porta-bagagens do carro que o terá levado deste tal jardim para a água!
- Olha! Lá está o teu parceiro a falar.
- Sobe o som, se faz favor.
*
- Caros senhores. Este é o rosto de mais uma vítima de uma crime hediondo. Terá falecido entre as 10 e as 10:30 da noite. Qualquer informação que possam ter sobre o indivíduo, é favor contactar o número...
*
Várias pessoas ficaram chocadas com o que viam na televisão. Pipa, por ver o seu amigo em fotografia, na televisão, com um ar azulado. Mariana e Vanessa por também elas o conhecerem, ainda que muito mal. E muitos mais...
Só três cruéis seres não se importaram com a minha perda...
Sofia...
O assassino, que tremia de medo de ser descoberto...
E Bernardo...

sábado, agosto 18, 2007

O Fim da Alma

Post Musicado. Se acabarem de ler antes da música acabar, deixem-na ir até ao fim.

http://www.youtube.com/watch?v=fr66qPYvMQk



Triste de quem é triste,
Porque triste é alma que quer.


Triste daquele que nada tem,
Porque nada quer ter.


TI TI TI TI... TI TI TI TI.... TITITITI

O despertador tocava. Tocava para mais um dia alegre, ao lado de quem mais me queria e ao lado de uma vida que prometia ser grande e farta de sucessos e reconhecimentos. De uma vida que parecia adorar-me. De uma vida a dois.


Olhei para o outro lado da cama. Estava vazio. Onde estaria ele? Ainda nu da noite anterior, levantei-me e caminhei para a casa-de-banho. Também não estava lá. Fui até à cozinha. Também não estava lá.
-Miauuuu. – bocejava a minha gata, contente pela minha existência e estranhamente ainda indiferente e quase revoltada por Bernardo fazer parte da minha vida.

Triste de quem sonhos não tem,
Triste a tristeza falsa

- Mas onde é que ele se meteu?- não sabia. Estava bastante frio naquele dia de Abril. Voltei para a cama e para o quente dos meus lençóis. Foi então que olhei para o calendário do Cadin que me tinha sido oferecido durante um estágio profissional. A verde, lá estava uma bola em torno do dia de hoje, com um grande sorriso ao lado e um “Volto já”. Hoje era dia 25 de Abril, o dia dos meus anos. Quantos fazia? Já nem me lembrava. Que importa a idade quando estamos feliz? O tempo passa a voar e nem nos apercebemos de que estamos a caminhar para a inevitável perda de tudo.

Triste de quem feiamente é feio,
Porque belo não vê dentro.

Revirei-me na cama várias vezes, mas já não conseguia dormir. Optei por colocar uma música a tocar. Aquela música que me corria as ligações nervosas, desde à uma semana, o dueto de amor da “Madama Butterfly”. A música que era minha e de Bernardo, mas que ele desconhecia. A música que me fazia chorar, por vezes de alegria... outras de tristeza. A música do meu coração.
- Onde terá ele ido? – esperei quase uma hora na cama e nada. Foi então que desisti. Tinha de ir a casa dos meus pais almoçar e depois ir ter com a Pipa e ainda ir fazer mais algumas coisas, antes de voltar. Levantei-me e fui tomar banho. A Pandora fez-me companhia na casa-de-banho, até um grande salpico lhe ter aterrado no focinho. A partir daí resolveu esperar lá fora.


(PLAY)



- Tu ru ru ru Tu ru ru ru Tu ru ru ru ru – Tocou o meu telemóvel.
- Estou?
- Estou sim, senhor terapeuta?
- Sim? Ah! Doutor Ferreira, como está? – o doutor Ferreira era o otorrinolaringologista que trabalhava no mesmo consultório do que eu. Vivia para a medicina e o resultado disso tinha sido uma separação e uma perda de custódia dos filhos. Era uma pessoa amargurada, no entanto simpática.

Triste de quem se mata,
E de quem morre.
Triste daquele que morte é,
Que dos outros vida tira.


- Vai se andando... e você?
- Estou óptimo como sempre?
- Olhe estou a ligar porque preciso de discutir um caso consigo.
- HOJE?!
- Sim hoje. Pode passar pelo consultório lá para as 18?
Suspirei. Era a última coisa que me apetecia e queria fazer.
- Ok doutor. Lá estarei. – e desliguei o telefone. – Bom gatita. Fica à espera do Bernardo e porta-te bem.
Caminhei para a porta, com aqueles belos olhos azuis a seguirem-me.
- Que é linda? – tive um arrepio
- Miauuu.- os seus olhos mostravam preocupação e até medo.
- Porque estás assim?
- Miauuu.
- Bom. Vou-me embora. Tchau.
- Miauuuuu...- o seu último miar penetrou-me na alma. Agora era eu que estava com medo. Sai, deixando a música tocar...
Caminhei para a estação da CP e apanhei o comboio em direcção a Cascais. Lembro-me que nesse dia o mar estava muito bonito, num tom entre o azul e o esverdeado, como se os deuses o tivessem pintado naquele dia, com as melhores cores da sua paleta.
- Tenham a bondade de me auxiliar...- dizia uma mendiga, vestida de cigana. Como todos os outros na carruagem, ignorei-a.

Triste da alegria
De quem contentamento encontra,
Onde nada se pode encontrar.


- Tenha a bondade de me auxiliar. – dizia ela de novo, ainda no início da carruagem, longe do sítio onde eu me sentava. Aproveitei para mirar a paisagem e esqueci-me de tudo o resto. Ao fundo as gaivotas cantavam uma música muda, que eu não ouvia. A minha música entrava-me novamente na cabeça.
- TU!- saltei do banco. A cigana estava já ao pé de mim.
- Aaa... sim? – disse com receio
- Queres que te leia a sina?
“Por que não?” – pensei. Já sabia que ela me ia dizer que ia morrer ou que tudo estava mal. Era sempre a mesma previsão...
- Está bem.
- 5 euros!
- Tome-lá.
- Hmmmm... – dizia ela enquanto me olhava a mão.
- Sim?
- Hmmm... pois... era o que eu previa.
- Então?
- A sua mulher vai engravidar amanhã!
- Ah ahahaha – ri-me sem controlo.
- Duvida?
- Não não! Muito obrigado. – e com os seus 5 euros a cigana deixou-me em paz.
O comboio chegara finalmente ao Estoril, a terra onde tinha sido criado, sob o pulso forte de meus pais. Aí, apanhei um táxi e fui ter a casa deles.
O almoço passou-se sem grandes aventuras. Estavam lá as minhas irmãs e os respectivos, a minha mãe, o meu pai, e duas crianças que corriam à volta da mesa.

- Olá tio Carlos.
- Olá pirulita!- era a minha sobrinha Inês. – Podes dizer ao teu irmão para se tirar da minha perna?
- Claro! Miguel! Sai já daí!
- Crianças...- disse sorrindo ao meu pai. Ele não me respondeu com a mesma atitude.
Durante o almoço, falei com toda a gente menos com ele, que se mantinha amuado e de expressão carrancuda.
- Então como vai o Bernardo?- perguntou a minha mãe no fim da refeição
- Vai bem. Manda beijinhos.
- Esse cabrão...- toda a mesa parou. Eu já estava à espera de um comentário como esse. O meu pai culpava-o pela minha opção sexual.
- Desculpa?- perguntei ofendido
- Ouviste-me...
- Pai eu não te admito...
- Não me chames isso! Morreste para mim...
Senti um baque no coração. Estava morto para muitas pessoas, mas nunca imaginei que estava morto também para o meu pai. Senti que ia começar a chorar e levantei-me.
- É este o exemplo que queres dar aos teus netos?
- Eles têm o direito de saber que tipo de tio têm. Um paneleiro!
Um novo baque. Agora estava mesmo a chorar.
- O tio Carlos é paneleiro- gritou brincando o meu sobrinho.
Olhei em volta à procura de apoio. A minha mãe olhava-me triste e pedindo desculpa. As minhas irmãs, desviavam o olhar envergonhadas. A mais velha, mandava calar o filho que insistia em cantar aquele palavrão.

- Bom... com licença. Obrigado mãe pelo almoço. – disse com a voz trémula e saí dali. Olhei para o relógio. Eram já 14 da tarde. Tinha de me meter a caminho de Lisboa para ir ter com a Pipa e para depois ir ter com o doutor Ferreira que insistira em discutir um caso naquele dia. Apanhei um táxi e fui ter até à estação. Quando lá cheguei já estava mais calmo...


Triste de quem ama,
E de quem ama não.
Porque triste se fica,
Quando se perde,
Nas garras da dor,
O coração.

- Porque é que quando uma parte da nossa vida está bem, tudo o resto se desmorona?- murmurei para mim... Estava farto daquele conflito com a minha família! Eu não tinha culpa de ser gay. O meu corpo simplesmente respondia de forma diferente da que eles esperariam. Lamentava imenso não poder ser aquilo que eles queriam... Mas não lamentava o facto de querer escolher o caminho que me fazia realmente feliz...
Enquanto passava a mão pelo cabelo, acariciando-me na cabeça, o telefone tocou.
- ‘Tou lindo!- mas ninguém me respondeu do outro lado. Ouvia só risos e uma voz feminina que não conhecia.
- Vais preparar a festa surpresa dele?
- Vou. Mais à tarde. Agora estou ocupado
- Queres ajuda?
- Quero... – a pergunta e a resposta pareciam-me descontextualizadas pelo tom de voz que tinha sido utilizado. Parecia que se referiam a qualquer coisa que se estava a passar naquele momento.
Decidi desligar. Já tinha sabido demais, pelo descuido do Bernardo. Mas não importava. O que importava naquele momento, é que eu estaria não tarda muito nos braços de quem me amava pelo que eu era e não se prendia a ideais floreados daquilo que eu deveria ser. Queria estar com ele, para abafar o sofrimento que era sentir a minha família a afastar-se de mim, a perder-se entre as minhas mãos...

Triste de quem quer amar,
E não o deixam


Cheguei a casa da Pipa eram 16 e pouco e mesmo antes de tocar à campainha, lá estava ela à porta a cantar-me (desafinadamente mas cheia de carinho) os parabéns.
- Obrigada linda.
- De nada!- abraçou-me com toda a força. – então e o Bernardo?
- Está a preparar-me a festa surpresa. Shhhh. Não lhe digas nada que eu sei.
- Não digo, descansa. Que tal se fossemos tomar um café ou qualquer coisa?
- Vamos!
Saímos dali e caminhamos para uma casa de chás que havia na zona onde a Pipa morava. Aí estivemos na galhofa durante uma hora. Até eu me levantar e dizer.
- Bom gaiiiiija! Vou trabalhar!
- Trabalhar?!
- Don’t ask! Tenho de ir falar com um médico!
- Vá. Beijos! Adoro-te! Bom dia! Espero que o estrôncio do teu namorado se lembre de me convidar! – senti de novo aquele forte abraço e apoio e saí dali.

Triste de quem dá por essas agruras,
Mais de cem.
Triste de quem se acha mendigo,
Quando se é rei.


Olhei de novo para o relógio e caminhei para o consultório. Não era muito longe dali. Cheguei à hora marcada, seis da tarde. E entrei. Mal entrei, percebi porque tinha sido chamado ali a um feriado... para que aquele ser não fosse esquecido ali até ao dia seguinte...

Gritei de horror quando entrei. Pendurado sobre a cadeira, lá estava o doutor Ferreira, enforcado.
Estive lá uma hora a falar com a polícia e a explicar a situação. Por fazer anos, deixaram-me ir e disseram que se manteriam em contacto se assim fosse necessário. Nunca mais ouvi deles.

Triste deste mundo perdido.
Triste deste reino sem lei
.




Saí dali, já eram 20 horas.
- Deixe a sua mensagem na caixa de correio de 966...
- Onde é que te enfiaste Bernardo? – estava a ficar preocupado. Ele não me atendia nenhum dos telefones. Nem o de minha casa, nem o da dele nem sequer o seu telemóvel. Que estaria a acontecer?
Optei por caminhar para casa, em vez de apanhar transportes. Do sítio onde eu estava, deveria demorar uns 20 minutos a pé. Os meus últimos minutos de felicidade...

Tristes de nós...

Quando ainda faltavam uns 10 minutos, choquei contra uma velhinha...
- Desculpe-me! Não o vi!
- Não faz mal. Não se preocupe.- disse ajudando-a com os sacos. Quando me baixei para apanhar um tomate que tinha caído para a estrada, apercebi-me de que um carro familiar estava à minha frente. Era o carro de Bernardo...
Sem saber por quê, senti o meu coração a ser engolido pelo meu corpo. Estava ali perto e não deveria estar a fazer boa coisa...

Que somos sofridos.

Olhei em frente... Uma vivenda branca erguia-se no meio de prédios... As janelas estavam com as cortinas corridas e ouviam-se risos desenfreados, gemidos e loucos suspiros do lado de fora. Sabia naquele momento o que se estava a passar. Só precisava da confirmação. Corri para a porta e bati... nada... ninguém respondia do outro lado...
Ao luz do luar, uma chave reluziu dentro de um vazo na porta. Teria sido aquela a chave deixada para Bernardo?
Sem pensar agarrei nela e abri a porta, trotando as escadas até ao quarto. Abri a porta...
Lá estavam eles, comendo-se como canibais... e que timming. Tinha entrado mesmo no momento do orgasmo de ambos...
- Bernardo...- murmurei.
Mas ele não me respondeu. Apenas olhou na minha direcção, soltando aquele riso sedutor e maquiavélico com que me tinha conquistado.
- Feliz aniversário!
– disse rindo-se, a Sofia...
Do resto já não me lembro muito bem. Sei que saí a correr daquela casa, e que corri para a minha. Os meus olhos, estavam embaciados pela água e por isso quase perdi a vida À frente de vários carros. Mal cheguei a casa, caí no chão e percebi com toda a certeza, que estava sozinho, sem namorado, sem família e com poucos amigos que já nada podiam fazer por mim...

A alma vai morrendo todos os dias, com os sofreres... e renasce com as alegrias. Ali soube, sobre o chão frio, que a minha morrera ali, pela solidão e tristeza, pelo choque... e pela traição...

Tristes de nós...
Que somos ninguém...


Poema “Tristeza” de João Fartaria 25/04/05 19:34

segunda-feira, agosto 13, 2007

Contagem regressiva para o fim da alma - 1º dia

- Miauuuu. - deitado no chão da minha casa, deixava uma grande poça de choro ensopar os meus tapetes,enquanto a minha pobre gata me tentava reconfortar com lambidelas e miares de alegria por eu estar ali. Eu afastava-a com um braço, dizendo choroso "sai daqui". Mas ela não saía. Ficava ali feito guerreira lutando por quem já desistira de lutar. Toda a minha vida tinha sido rejeitado... por pessoas que não me conheciam, por pessoas que me conheciam tão bem, como pais e até alguns amigos... e mais do que tudo, eu rejeitava-me a mim próprio. Sentia-me como se estivesse morto por dentro. Sem sentir, um vazio horrível e um temor de viver incrível.
Como se o tempo pudesse passar por mim sem que eu o sentisse. Ou alías, sem que eu me importasse. Queria estar ali quieto agarrado ao meu chão duro, agarrado àquela almofada babada.
Queria ficar ali na esperança que alguém me viesse salvar. Alguém que me levantasse e me devolvesse a vontade de retomar a minha vida, de a agarrar e de lutar por mais um dia longo e por mais umas horas de vida que eram descontadas ao meu tempo.
- Miauuu. - Pandora insistia. Mas não queria saber. Naquele momento só pensava em tudo aquilo que já tivera. Em tudo aquilo que já tivera de alegre na minha vida. Um amor, uma família, amigos vários... agora... agora não tinha ninguém...
- Miauuu. - a luz do amanhecer entrava pela pequena janela da sala... o relógio tocou uma música de despertar. eram 7 da manhã... a hora em que me deveria levantar para ir trabalhar.
Ainda deitado, estiquei a mão e telefonei para a clínica:
- Clínica Medicien bom dia.
- Estou Fernanda. Olá é o Carlos.
- Ah! Olá senhor terapeuta, como está?
- Estou doente. Pode-me desmarcar as consultas de hoje e amanhã? - era quinta. Teria quatro dias para recuperar... Seriam os suficiente?
- Com certeza. Mas o que tem?
Hesitei por um momento... tinha de inventar alguma coisa. Como a imaginação estava bloqueada pela falta de alma, optei por dizer a verdade.
- Um problema de coração.
- Ah! Então descanse e coma poucas gorduras. Com isso não se brinca. - a telefonista não tinha percebido o que queria dizer...
-Obrigado...- disse na minha voz débil
- AI é o senhor terapeuta? - era Rosa que se ouvia do outro lado da linha... - "por favor... faz com que ela não queira falar comigo", pensei.
- Estou senhor terapeuta! Como está?
- Olá Rosa... estou cansado e com problemas de saúde, mas nada de grave...
- AH! sabe que a minha Carlita também me apanhou uma gripe que...
- 'tou? 'Tou... não a estou a ouvir Rosa!' Tou..
- Sim doutor... estou a.- desliguei o telefone. Hoje mais ninguém me ia incomodar...

TOC TOC TOC
- Porra...
- Abre a porta Carlos. Sou eu.
Com esforço levantei-me do chão e caminhei para a porta.
- Credo! Estás com uma cara.
- Tenho motivos para isso...- disse de forma rude
- Calma! Que se passa.
- Nada! Importaste de te ir embora?
- Eu fiz-te alguma coisa para me estares a falar assim?
- Pipa! Se faz favor sai!
- Olha vai à merda sim. - e assim virou-me as costas e começou a descer as escadas.
Fechei a porta com um estrondo e cai de novo no chão. Sobre o sofá, a Pandora olhava-me de forma agressiva e desapontada.
- Que é? É só mais uma pessoa...- nem mesmo eu acreditava naquilo que estava a ouvir... só mais uma pessoa? Era a única amiga que eu tinha! Saltando do chão corri para a porta. Estava descalço... não me importei. Trotei pelas escadas abaixo e corri para a rua. A Pipa estava a entrar no carro.
Nem teve tempo de reagir. Atirei-me a ela abraçando-a a chorar...
- Ele traiu-me... ele traiu-me. - chorava e gritava no meio da rua abraçado à rapariga a quem devia muito. Ela, quase chorando também, talvez pela minha atitude anterior, ou por simpatia, abraçava-me com força e dizia que tudo ia ficar bem. Com esforço de ambos, subimos de novo ao apartamento, onde a Pipa me fez um chá.

*
Era o terceiro dia de trabalho de Mariana, naquela empresa do conceituado advogado Dr. Sampaio Neves, o estandarte da moralidade e da luta contra a corrupção. O advogado dos pobres, que estranhamente estava mais podre de rico que a maior parte dos advogados que defendiam apenas pessoas VIP e cheias de notas.
Passara a manhã inteira a desenhar no seu bloco de notas e a arrumar as pastas que se atolavam sobre a sua secretária (aparentemente, a secretária anterior tinha sido despedida por incompetência).
- Que seca...- o telefone tocou.- Estou sim?
- Mariana...- a voz do outro lado era difícil de não reconhecer. Durante 3 anos... 3 longos anos Mariana tinha estado numa relação estranha com um rapaz, de seu nome António. Durante 3 anos, ele insistira que ela tinha de crescer, insistira em apontar cada um dos defeitos dela, e na ausência dos mesmos, procurava e inventava sempre situações que pudesse utilizar contra ela. Tinha sido uma relação com o seu q de felicidade, mas tinha chegado ao fim. Não tinha sido oficializado, é certo. Mas a partir do momento em que uma qualquer outra rapariga era envolvida e ele nunca mais lhe tinha dito nada (durante 3 meses), Mariana percebeu que tudo tinha chegado ao fim. Agora, passados os 3 meses, lá estava ele, a falar-lhe ao telefone.
- António?
- Mariana... eu precisava de falar contigo...
- Porquê?
- Porque sinto... sinto que não acabamos as coisas como deve ser...
- Não as acabámos queres tu dizer!
- Sim... desculpa por isso... mas também tens de compreender a minha situação.
- Aí está António. Enquanto TU não compreenderes a MINHA e mesmo a tua situação... isto não pode ter sequer um início.
- Lá estás tu com as tuas infantilidades...
- Lá estás tu com as tuas desculpas.... sabes que mais eu não preciso de ouvir sequer a tua voz para perceber quanta é a raiva que tenho de ti.
- Mariana, deixa de ser teimosa.
- Lamento... será algo que nunca deixarei de ser, se sei que estou certa. Quanto a ti... podes aceitá-lo e quem sabe, poderemos ser amigos... mas acho difícil, porque tal como eu nunca deixarei de ser "teimosa" ou "infantil"... tu nunca deixarás de ser um idiota, um egoísta e um incapaz no amor.
- Mariana...
- O escritório do Dr. Sampaio Neves agradece a sua chamada. Tenha um bom dia... - e assim Mariana apagou parte do seu passado... de uma forma impessoal e com um simples desligar o telefone...
*
Joana sentava-se naquele café durante longos dias, esperando por um rapaz que iluminasse o seu caminho. Estava farta daquela vida de polícia, de correrias e de bandidos... e também de solidão... O mais cómico disto tudo, naquele mesmo dia tinha prendido um rapaz lindíssimo e tinha-lhe custado ser dura com ele, quando os seus belos olhos castanhos lhe sorriram.
- Que martírio...- o seu café ia ficando frio à medida que esperava pelo seu príncipe encantado. Sobre a mesa,os Maias serviam de pires à sua chávena.
Foi então que o Universo achou que o seu martírio devia chegar ao fim... e que o de outros devia continuar. Pela porta adentro, naquele dia de 26 de Abril, o seu grande amor entrou na sua vida. Trazia-se ao lado de um rapaz, no qual ela nem reparou. Apenas conseguia ver aquele rapaz moreno de sorriso branco e sedutor.
- Estou te a dizer. Só faltou ela me mandar para o caralho!
- O que estavas à espera António? Andas com ela durante 3 anos e durante 3 meses, decides ir para o Porto divertir-te sem lhe ligar puto! Desculpa lá Chavalo, mas merecias.
- Então e tu?
- Eu estou à caça...
- E a Sofia?
- A Sofia foi só mais uma noite. E outra... e outra... - riram-se os dois - e quanto ao Carlos, já o mandei com os porcos.
- Mas então o que é que se passou contigo para namorares com ele?
Fez-se silêncio. O próprio Bernardo não sabia o porquê da sua relação homossexual. Sentiu-se atraído por mim, e só isso. Depois, essa atracção foi derrotada pela atracção por outras pessoas. E com essa derrota, veio uma humilhação desnecessária para mim.
- Bom. Vou-me embora. Vou ver se a Rita já chegou.
- Rita?
- A miúda do Porto. Pedi para ela vir hoje para Lisboa. Tchau puto, fica bem.
- Tchau Chavalo.
E dali António saiu. Bernado olhou em volta e foi então que reparou naquela bela rapariga sentada à mesa, que desviava o olhar, corando.
- We have a Winner...
E assim se conheceram os dois namorados perfeitos: Joana e Bernardo. Nesse dia, tomaram café juntos, passearam por Belém, comendo pastéis de Belém e rindo-se daqueles que passavam e de si próprios. Com o cair da noite, jantaram juntos e foram ao cinema. Nem repararam que filme estava a dar. Durante todo o filme, ambos fizeram render os 5 euros do bilhete, fazendo eles um filme, que em certas partes envolvia cenas para maiores de 18.
Bernardo pensou quão bom era ser-se ele, um rapaz que tinha todas a seus pés, e que não se dava ao luxo de escolher. Qualquer uma servia. Joana pensou quão sortuda era ela, por ter sido escolhida por aquele rapaz, que de certeza não escolheria qualquer uma...
*
- Estás mais calmo?
- Estou... e exausto de chorar. Ontem até ia vomitando...
- Vá. Descansa. Relaxa e ouve música. Esquece o mundo exterior e remenda o interior. Eu estou aqui para o que precisares.
- 'Brigado pipes...- chorando mais um pouco, deitei-me pousando a cabeça sobre o seu colo, aceitando as carícias que ela me ia fazendo no pescoço. Ao fim das pernas, Pandora olhava-me com um olhar sorridente e também ela me lambia as pernas.
- Eu devia partir a cara àquele cabrão!
- E que é que conseguias com isso... ele não deixava de ser cabrão...
- Mas deixava de ter aquele sorriso! Partia-lhe dos dentes todos... -ri-me
Ali ficámos durante a a noite, vendo um filmes cómicos até ao amanhecer. Quando o sol nasceu, Pipa foi-se embora. Mal fechei a porta, Olhei em volta. Tinha uma vida por reclamar e tinha de lutar contra esta inércia que em mim se instalava. Afinal havia dois seres no mundo para os quais podia viver... ambas tinham-mo provado com o apoio que me tinha dado, durante toda a tarde e toda a noite.

sexta-feira, agosto 10, 2007

Contagem regressiva para o fim da alma - 2º dia

- O sol está a por-se...está a mergulhar no mar Pandora... - conseguia ver muito pouco, por detrás dos olhos doridos do choro. Já não tinha mais lágrima. Estava exausto, cheirava a fritos e a suor. Estava imundo, por dentro e por fora.
- Miauuuuu
- Sim linda. - agarrei nela - está um dia muito bonito.
- TRIM TRIM... - tocou o telefone. Não me apetecia atender... mas e se fosse ele? Com o coração a saltar do peito olhei para aquele pedaço de velha tecnologia.- TRIM TRIM.
- Se calhar é ele a pedir desculpa...- corri para o telefone e disse com tom incerto- Estou?
- Estou carlitos!
- Ah pipa... oi. - não consegui esconder o desapontamento na minha voz...
- Estás assim tão feliz por me atender o telefone?
- Desculpa... não estou a 100% hoje...
- Sim. Ainda estás de luto. Mas o que sentes?
- Vazio... e culpa...
- CULPA?! porquê culpa? Não fizeste nada de mal! Ele é que é um cabrão de merda!!!
- Pipa...
- É verdade! Só te estragou a vida toda!
- Também não é assim...
- Sim, pronto, foi bom durante uns meses. Mas agora acabou. Agarra-te à vida! Faz qualquer coisa!
- Tá bem pipa. Quando tiver energia outra vez, luto contra isto, agora estou exausto. Dá-me um dia!
- Vá... por seres meu amigo, dou-te 2! - ri-me.
- Está bem Pipes...
- Bom. Queres ir a Fnac comigo? Tenho de comprar a prenda do Pedro.
- Ele faz anos?
- Não. Fazemos anos de namorados.
- Tem mesmo de ser?
- SIM! - berrou
- Apanha-me às 22:30.
- Está. Até logo.
Desligamos os telefones e fomos às nossas vidas. Eu? Olhei em volta, procurando uns resquício da sua existência. Teria eu eliminado tudo.
- Miauuuu
- Que é estrabeca?- foi então que vi. Eliminara roupas, papéis tudo. Não eliminara a sua cara. Em cima da mesa da sala, lá estava a moldura que ele me tinha oferecido no dia em que fizemos 6 meses de namoro.
O vazio foi-se preenchendo e um novo sentimento fervilhou dentro de mim. Não era amor, nem solidão, nem se quer ódio. Apenas raiva. A pura manifestação da entropia das células. Agarrei na primeira coisa que me veio à mão e atirei contra a moldura. A Pandora parecia ter adivinhado estava já em cima do sofá, longe da moldura, que agora estava caída e partida no chão, junto à almofada vermelha.
- Já te digo!- corri para a cozinha com a foto espremida na minha mão. Pu-la no 1,2,3 e liguei-o. A raiva foi desaparecendo, à medida que aquele sedutor sorriso se desfazia entre as lâminas do aparelho.


*

Bernardo e Joana percorriam as ruas de Cascais com um grande gelado na mão. Desceram a avenida valbom, subiram a rua direita, sempre sem destino, percorrendo as ruelas livres que se abriam à sua frente, no seu segundo encontro. No ar, pequenas flores amareladas voavam, anunciando mais um dia da bela Primavera e do azíago Abril.
- Gostas disso?
- Sim. Adoro chocolate negro.
- Isso dá-me arrepios.
- É porque és muito doce... - disse Joana em tom provocatório.
Sem aviso, Bernardo teve um deja vu. Meses antes, num dia de praia, lá tinha ele ido comigo passear. Aquelas tinham sido palavras semelhantes às minhas, para descrever o meu gosto pelo chocolate branco.
" Eu sou muito amargo. Preciso de qualquer coisa muito doce. Como tu".
Um vento marítimo fê-lo arrepiar-se e qual derrota inesperada... Bernardo sentiu não a doçura, nem a amargura da vida... mas apenas um trago da sua acidez.

*

Mariana trazia a sua blusa avermelhada e a sua mini-saia de ganga que fazia os homens da obras loucos (para seu desgosto). Aquele era o seu 4 dia de trabalho naquela empresa, e tudo parecia estar bem. Passara a manhã a fazer arquivo, a arrumar cartas e a mandar cheques. Foi então que o seu martírio voluntário começou.
- Mariana, pode chegar aqui se faz favor? - era o seu patrão que a chamava, um advogado dos seus 50 anos, com pouco charme, mas com pouca barriguinha.
Mariana levantou-se e dirigiu-se ao seu escritório.
- Diga doutor.
- Queria... queria que me escrevesse a seguinte carta.
Mariana retirou um lápis da lata que se quedava sobre a secretária do seu patrão. Ao fazê-lo, involuntariamente o seu peito avançou e quase tocou na cara do advogado, que desde o primeiro dia a olhava de forma diferente.
- Então diga doutor.
- Caro co.... caro colega... - os calores desciam-lhe pelo corpo, levantando outras partes. - venho-vos informar que... que o peititório... peito... peditório...
"Olaaaaaa. Que ele está interessado. "- pensou Mariana, enquanto apontava o que o doutor ia gaguejando. Foi então que viu as vantagens de dormir com o patrão... seria uma boa forma de ganhar estatuto entre os clientes, e ir para outro sítio ganhar mais dinheiro para finalmente conseguir tirar o curso que queria, o curso de direito na Católica.
- Foi rachado, recusado, digo.- Mariana pousou o papel e o lápis, e desabotoou a sua blusa avermelhada...

*

Vanessa estava farta daquela sala minúscula da esquadra de polícia. Naquele dia, tinha atendido só o cleptomaníaco de armas e mais ninguém. Tudo estava de férias, incluindo a única pessoa com quem ainda se dava minimamente bem, a tenente Joana Silva.
- Isto está uma pasmaceira hoje! - disse suspirando. Decidiu assim levantar-se e caminhar para a porta.- Patrícia, tenho mais alguém para hoje?
- Faltou tudo. Acho que só tens o tenente Fernando às 17h.
- Desmarca se faz favor. Estou a precisar de sair daqui! - e assim fez. as 15:30 picou o ponto e foi para os jardins de Belém. Até as 16 horas nada aconteceu, até que o relógio apontou os 16:30. Um rapaz moreno passeava sozinho por ali. Distraído, tropeçou num calhau e caiu-lhe no colo.
- Ah! Desculpa!
- Não faz mal. - disse Vanessa mostrando-se interessada.
- Eu não reparei.
- Não faz mal mesmo! Sou a Vanessa.
- Sou o André.
Vanessa conhecera nos jardins de Belém a minha segunda vida, aquela em que poderia ter sido feliz.
- Eu não costumo fazer isto, mas... queres ir tomar um café e comer um pastel de Belém? - o sorriso de Vanessa não podia ser mais sugestivo. No entanto, o rapaz parecia estar incomodado.
- Ah... lamento. Eu sou gay.
- Ah! - agora era ela que estava incomodada. - ah... desculpa! Não percebi.
- Não faz mal.
- Pronto... ah... nesse caso tchau.- e levantou-se envergonhada correndo para o carro. Mal entrou nele, desatou-se a rir, sem se conseguir controlar...
*

As 22:30 em ponto, lá estava a pipa à minha espera.
- Oi linda.
- Oi. Já tens ideias para mim?
- Eu não conheço o rapaz! Como queres que eu tenha ideias?!
- Sei lá! Vamos ver quando lá chegares.
Mal entramos na fnac, Pipa foi para os jogos e os cds. Ainda que Pedro fosse um aluno aplicado de Medicina, não prescindia dos seus jogos de computador, ou dos seus cds de musica.
- Procura nos livros. Eu já lá vou ter.
Ignorei-a por completo. Não conhecia os gostos do rapaz e o único livro que ele iria gostar seria o Rouviere, a bíblia de anatomia que ele já devia ter. Para além disso, a pipa encontrava sempre prendas bem melhores do que eu. Ela não precisava realmente da minha ajuda. Só precisava de me tirar de casa!
Desloquei-me à zona que me interessava, as novidades. Bem no topo da estante, um título chamou-me à atenção: "Perdidos para sempre". Peguei no livro e comecei a folhear. Logo na primeira página em que abri, uma frase sublinhou-se sozinha: "Deus ironiza a tua existência". Sem ter lido mais nada, comprei o livro e considerei-o o melhor de sempre, digno de um prémio Nobel.

quarta-feira, agosto 08, 2007

Contagem regressiva para o fim da alma - 3º dia

- Está com a Joana Fernandes na Megarádiofm. Toca a levantar esse rabiosque da cama e ...
- Blá, blá, blá... cala-te chata... - Levantei a cabeça, ainda com todo o corpo pesado. Não sentia o corpo da cabeça para baixo.... talvez fosse o peso da alma, talvez fosse simplesmente o efeito de dois medicamentos, que tenho quase a certeza de que não deviam ser misturados... nem tomados com álcool...
Levantei-me da cama e caminhei para a casa de banho. À porta, deitada sobre as almofadas vermelhas que no meu acesso de raiva tinha atirado contra a parede, estava a minha gata que me mostrava os seus grandes olhos azuis e o seu ar sincero de altivez.
- Bom dia minha linda. - ela respondeu com um miar e esgotando toda a sua cortesia para o dia, pousou de novo a cabeça na almofada. - és sempre a mesma coisa...
Foi então que olhei ao espelho. O que vi?. Alguém cujo o cansaço e cuja solidão não conseguia mostrar mais a sua beleza. Ela estava lá. Eu via-a naquele pedaço de cara que se sorria a si próprio...
- Bom dia... - disse sorrindo, mas com vontade de desatar de novo a chorar

*
- Boa tarde. Que vai desejar?
- Boa tarde... eu queria... - Mariana olhava a lista - eu queria...
- Sim...
- Para começar queria que não me olhasse para as mamas. Depois ia querer um bife da vazia.
O empregado de mesa tremeu de embaraço e saiu dali a correr.
- Que lata desta gente! - disse indignada abrindo o jornal. Logo na primeira página, uma notícia interessou-a:
ENTREVISTA COM...
Doutor Fernando Sampaio Neves
....
A notícia era bastante supérflua. Falava de coisas do Jet7. Mariana detestava essas entrevistas, mas aquele era o seu patrão. Convinha conhecer o homem com quem trabalhava... e com quem dormia.
- Hmmm. É arguido num processo de fraude e acusado de ter comprado uma propriedade a um amigo de forma ilegal? Hmmm.... estranho.
E continuou a ler o artigo, esperando pelo empregado de mesa que lhe admirava as pernas e as mamas.
*
- Oi. - Joana colocava-se timidamente contra a parede e beijava Bernardo. Tinham saído já duas vezes. Aquela era a terceira.
- Oi. Queres que leve isso?
- Não deixa estar. Vamos onde?
- Não digo...
E não disse mesmo depois das insistências da Joana. Caminharam para o carro e seguiram em direcção a Cascais pela marginal. Passaram a estação de Cascais e entraram na recta do guincho, passando a casa da guia.
- Não é preciso ser-se brilhante para perceber que me vais levar ao Guincho.
Bernardo sorriu, com aquele sorriso laminado e corrosivo, pensando para si "Esta está no papo..."
E aceleraram, apitando a uma senhora velhinha que andava descansada na ciclovia, assustando-a...
Mal o carro passou, a senhora parou e disse para si, tremendo-lhe a voz.
- Como são inconscientes os namorados... não se importam com mais ninguém para além deles próprios...- e suspirando retomou a sua caminhada ao solarengo dia de Abril
*
Eram já duas horas e ainda não tinha ido almoçar. Estava cansado do banho, por mais estranho que fosse... ou talvez fosse por ter tirado a Pandora 3 vezes da casa de banho...
- Bom, vamos lá ver o jornal.
Na primeira página, lá estava a notícia sobre um advogado, que Carlos, conhecia muito bem. E lá estava a citação que tinha sido retirada de uma carta anónima...
A luz entrou pela janela e brilhou, iluminando a divisão e um sorriso triunfante na minha cara...
*
- MERDA! Quem terá sido?
- Não sei... tens alguém que te queira mal? - disse Alberto Novais, amigo do advogado, do outro lado da linha telefónica.
- Não. Só se for alguém que perdeu contra um cliente meu...
- Tens a certeza de que não e...?
- Se é, acabo com a raça dele!!!
- Não acabas não, que eu acabo primeiro. Esqueces-te de que esse cabrão lixou a vida do meu filho? Eu proponho o seguinte...
*
- Aqui tem...- o pobre empregado olhava agora para o chão. Mariana estava divertidíssima.
- Obrigado.- disse e começou a comer, enquanto o seu telefone tocava freneticamente... Devia ser a Joana, a pedir nervosamente conselhos para o dia perfeito com o seu Bernardo.
*
- Então?
- Não sei...
- Vá lá. Ninguém há-de saber.
- Não. É melhor não.
- Pronto. Tu e que sabes... se não tenho o teu apoio então esquecesse o assunto.
E assim conversaram de mais coisas sem interesse...