sábado, junho 30, 2007

Contagem regressiva para o fim da alma - 5º dia

- Olá avó!- sentava-me naquele banco branco, naquele ambiente a cheirar a velho e cheio de gente deixada a morrer.
- Olha o meu netinho!- a minha avó Elisa, sentava-se naquela mesma mesa, onde todos os dias tomava o seu pequeno almoço e esperava pelas suas refeições e pela altura de ir dormir.
Vivia naquele lar, especializado em doentes de Alzeihmer, já há 6 anos. Estava quase com noventa, e aos poucos, a sua vida deixava-a, assim como outrora lhe tinha deixado a sua memória.
O meu avô vivia ainda longe dali, na zona do Estoril, mas mesmo com tanta lonjura entre eles, lá o velhote coxo e cansado se punha no autocarro, dia sim dia não, em direcção àquele lar no coração de Lisboa.
- Então e a tua mãe?
- Ela ainda não veio hoje?
- Não! Ainda não a vi. - os seus olhos diziam-me que não se lembrava da própria filha...
Para ela, aquela era uma senhora com os seus 60 anos, que a vinha visitar por amabilidade. E o marido? Era aquele cabrão que nunca a vinha ver!
"Nem se quer uma vez por semana!".
Não se lembrava de mais ninguém, toda a gente era toda a gente. Menos eu...
Eu era o neto que tinha ajudado a criar, nos primeiros anos de vida, enquanto a minha mãe trabalhava no clube de ténis do Estoril. Na casa dela, tomara grande parte das sopas que alguma vez comi na minha vida. Na casa dela, aprendera coisas novas; Com ela, aprendera a ser infeliz.
E meu avô? Com ele tinha corrido, no tempo em que ele ainda corria. A ele tinha dito um dia
"Quéo i binca com as bubaetas!". Com ele, não aprendera a ser egoísta!
Nesse momento, a minha mãe chegou.
- Olá Jony!
- Olá mãe!- beijamo-nos e abraçamo-nos com toda a força que tínhamos.
- Olha a senhora das quintas-feiras! É tão boazinha para mim! Se ao menos a parva da minha filha cá viesse para ver como é ser uma filha a sério!
A minha mãe quase chorou. Por muito que soubéssemos que aqueles eram os sintomas da doença, há coisas que dói sempre ouvir.
- Ai ai... então e tu, meu filho? Como vai a tua namorada?
Estava-me a confundir com alguém...
- Eu... eu já não tenho ninguém avó!- agora foi a minha vez de quase chorar... tinha deixado o Bernardo, ainda não fazia uma semana, e aquela ferida irritada ainda me dói no peito. - Bom avó... vou-me embora. Beijinhos.
Tinha de sair dali, antes de começar a chorar. A minha mãe compreendeu e com força consolou-me abraçando-me como se não houvesse dia de amanhã! Então comecei a chorar e ali me quedei por longos momentos, enquanto a minha avó começava a falar, de nada se apercebendo, com a vizinha do lado, queixando-se de que só o neto a vinha ver!
A minha mãe começou a chorar então, e o consolado, passou a consolador.
Aquela era a pessoa mais importante no mundo para mim. Aquela sim, tinha sido a mulher que me tinha ensinado a aguentar-me, a sustentar-me por mim próprio, sem depender das emoções de ninguém... ou teria mesmo?

O momento passou e despedimo-nos, não sabendo, que aquele seria o nosso último adeus...



*



- Gostaste do restaurante Joana?
- Adorei... e obrigado por me teres convidado...
- De nada, é sempre um prazer trazer uma rapariga bonita ao meu restaurante favorito!
- Então não fui a primeira que cá trouxeste? - troçou Joana
- Foste a minha primeiríssima aqui!
Joana sorriu... andava a sair com aquele rapaz há quase uma semana, saindo todos os dias com ele! Tinham ido ao cinema, ao parque, à praia e acidentalmente, à sua casa, no terceiro encontro!
- Então boa noite! E até amanhã! - Bernardo beijou-a.
- Bernardo! Não achas que já pudemos oficializar a coisa?
Bernardo hesitou... seria justo para Carlos, se ele começasse uma nova relação pesudo-séria agora? Cinco dias depois de terem terminado? A consciência de Bernardo logo se apagou com a visão que se seguiu: Ele deitado na sua cama, com Sofia sobre ele, e ao canto do quarto, junto à porta, Carlos chorando e berrando com eles, indignado!
"Eu já lhe fiz coisas bem piores..."- pensou e deixando aquele silêncio prolongado disse sorrindo - SIM!
Joana e Bernardo dormiram juntos de novo, agora no apartamento que Joana ocupava sozinha.
Aquela noite foi especial para eles, terminando com eles agarrando um ao outro, exaustos pela noite cansativa...
Para Carlos, a noite terminara com a sua gata deitada aos seus pés e com ele agarrado à almofada, adormecido pela exaustão de um dia de nervos e uma noite desgastante de choro...

sexta-feira, junho 29, 2007

Os monstros que levei anos a arrumar em lindas caixas no armário vão saltar de novo para o mundo...

tenho medo...
I'm giving up the ghost of love
And a shadow is cast on devotion
She is the one that I adore
Queen of my silent suffocation
Break this bittersweet spell on me
lost in the arms of destiny
Bittersweet
I won't give up
I'm possessed by her
I'm wearing her cross
She's turned into my curse
Break this bittersweet spell on me
lost in the arms of destiny
Bittersweet
I want you
All i want is you
And I need you
All i need is you
Break this bittersweet spell on me
lost in the arms of destiny
Break this bittersweet spell on me
lost in the arms of destiny.
Bittersweet

sexta-feira, junho 22, 2007

Contagem regressiva para o fim da alma - 6º dia

- Doutor. O senhor Alberto Novais está aqui para lhe falar...

O decote de Mariana revelava a sua lingerie avermelhada que combinava com a sua blusa justa bordeaux. Trazia-se mais sensual do que nunca, naquela pequena saia e blusa alaranjada.
- Hmmm. Belo decote hoje Mariana!
- Doutor... como eu disse... o senhor Alberto Novais está aqui para lhe dar uma palavrinha! - Os olhos de Mariana gritavam "Para baixo rapaz",
tentando controlar aquele animal no cio. - tratamos disso mais tarde doutor...
Abanando as ancas (como sempre abanara), Mariana retirou-se e deixou o senhor entrar. Não o conhecia e achava-o muito feio. Era um sujeito baixote e sem interesse. Passou-lhe totalmente despercebido.
- Amigo! -
com os braços em concha, Alberto, pai de Bernardo, acolhia o seu colega e amigo.
- Então, como estás. - naquela brutal forma de cumprimento masculino, os braços bateram contra os ossos, fazendo-os ressoar.
- Estou melhor do que estava quando falei contigo.
- Então?
- O meu filho deixou de ser paneleirote!
- Deixou aquele miúdo? - Mariana escutava atrás da Porta
- Sim! E adivinha quem anda a papar?
- Pelo que ouvi, é uma rapariga que é da polícia na baixa.
- Essa também! Mas ele anda é a dormir com a tua filha! O machão!
De forma grotesca, riram-se os dois, estranhamente felizes. Mariana, como mulher e pessoa sensata, sentiu-se revoltada e teve vontade de entrar de repente na sala para acabar com aquela conversa e pô-los na ordem. Estava mesmo determinada em fazer alguma coisa. Foi então que ouviu...
- Olha, faz ele bem. Eu ando aqui a brincar com a Mariana.
- A boazona da tua secretária?
Mariana corou e sentiu-se repugnada por aquele sujeitos. Em vez de entrar na sala, decidiu então afastar-se dela, sair e tomar um café em qualquer lugar...


*


- Ele disse isso?
- Yah. Coitada da rapariga.... nem sei quem é, senão ajudava! - Mariana falava com a sua melhor amiga, desconhecendo que ela era a rapariga traída.
- Coitada mesmo! O que vale é que o meu namorado..
- Aii! Não o digas se faz favor. Estou farta de o ouvir!
- Yah... desculpa. Estou um bocadinho chata com isto não é?
- Um bocadito.
No café da baixa, onde sempre iam, sentava-se Mariana, Joana e ainda Carlos e Filipa.
- Vais falar com ele?
- Já falei! Ele não anda nem desanda...
- Não f... desculpa! Esqueci-me que esse era um dos problemas....
- Deixa estar. Eu acho que ele anda a sair com outra!!
- Achas?
- Sim. Para não "comer" em casa, anda a jantar fora...
- Encosta-o à parede!
- Já o fiz! Ele disse que estava a ser infantil e parvinha. Que só me amava a mim!
- Então, aí tens a tua resposta.
- Não estás a ajudar Carlos!
- Que é que queres que te diga. Nem se quer o conheço!
- Pois... e tu, como estás?
O meu batido de Morango andava agora às voltas no copo, com a palhinha vermelha.
- Eu... já estive melhor.
- Ele magoou-te muito querido.
- Eu sei... estou a andar em frente. Isto demora, mas vai lá.
- Eu sei que sim. Tens força para isso...
- A questão é... será que tenho força para voltar a ficar sozinho?
- ó filho, isso então tens de certeza! MAS, será por pouco tempo. Conheci o tal um tal de André...
- Não estou interessado...
- Não sabes o que perdes. Ele é muito giro e muito simpático.
Envolvi-me no batido, não querendo saber...
Sentia-me como os morangos utilizados para fazer aquela mistura de leite e fruta: esmagado, triturado e afogando numa realidade a que não pertencia...
Parte de mim queria correr de novo àquele apartamento, com esperanças de que a porta, ao abrir-se, mostrar-me-ia algo diferente do que tinha visto...

- Lá estou eu...
- murmurei...
A cada dia que passava, entrava mais naquela estranha e dúbia realidade...

quinta-feira, junho 21, 2007

O Cinismo dos Amantes

Tomás sorria ainda com o sangue quente
E com impressões de Carmim no corpo.
Tomara ele assim sempre contente,
Que faria de Carmim o seu porto.

Mas o que era Carmim sem Bianca?
O que era um demónio sem um anjo?
E o que é o demónio senão um anjo
No qual Deus não põe fiança?

Há quantas luas era assim:
A terna Bianca enchendo-lhe a casa de amor
A fogosa Carmim
Libertando-o do fulgor.

Tomás trazia ainda um forte odor a jasmim,
Quando em casa entrou
E sentiu outro que não era de Bianca,
Nem de Carmim!

"Mulher desalmada!"
grita para Bianca avermelhada
"Julgaste que o podias esconder?
Que eu não ia ver?"

"Pois a única cega não hei-de ser!
Há meses que te lavo camisas
Tão de Carmim manchadas
que quase tenho de as ferver!"

Gente apaixonada e desalmada
Que culmina lindas tardes de amor
com noites de bofetada!

Contagem progressiva para o fim da alma (o meio III)

- Estou?
- Hello
- Hello Bernas. Estavas com saudades é?
- Não, apetecia-me gozar com alguém... - riu-se
- Não escolheste bem a pessoa. Estou farto de trabalhar, lembraste?
- Opss. Esqueci-me. Mas pronto. Era só para te dar um beijo.
- Ligo-te mais tarde, está bem?
- Está Carlitos.
- Bah! Eu detesto esse nome!
- Eu adoro...- a malícia juntava-se ao carinho, do outro lado do telefone.
Despedimo-nos e eu continuei a trabalhar. Sobre a minha secretária, 8 livros sobre matérias diferentes, abriam-se em páginas corridas de texto, sem uma única figura.
- Merda para este dossier...
De novo o telefone tocou...
- És feio....
- Pipa! Eu estou a trabalhar!!!
- Ta bem... desculpa... - longa pausa - és um trabalhador feio...
- Estás-te a divertir?
- Imenso! Sorry lá, precisava de falar com alguém...
- Então, que se passa?
- É o Pedro. Ele anda a fugir de mim!
- Pipa, deve ser impressão tua!
- Não... ele no outro dia... eu toquei-lhe e ele encolheu-se todo... e hoje desviou-se da minha boca!!!
- Ok... fazemos assim. vai falar com ele e depois eu ligo-te para falarmos, pode ser?
- Que remédio!
Desliguei novamente o telefone.
- Ora então:

" O autismo ... blá blá blá... manifesta.... blá blá blá... características especificadas..."
- Uiii! Belo erro!

O telefone tocou outra vez... Era de novo Bernardo

- Tou chato, que é que queres? - perguntei carinhosamente.
- Carlos? Daqui fala Alberto...
O telefone ia-me caindo das mãos...
- Senhor Alberto, como está? Peço desculpa, pensava que era o seu filho...
- É exactamente de ele, como calcula que lhe quero falar... o meu filho está apenas confuso. Não sabe aquilo que quer.
- O seu filho se estivesse confuso, não estava comigo há quase um ano! - adoptei um tom de voz forte e determinado
- Confusões de adolescentes!
- O seu filho tem 22 anos. Eu quase 23, não há aqui adolescentes.
- Ahhh- suspirou- então diga-me lá... quanto quer?
- Desculpe?!
- Quanto dinheiro quer?
- Nada. Eu não estou atras do dinheiro de ninguém.
- Ouça... - a sua voz estava inquieta
- Não! Ouça você. Eu amo o seu filho e ele a mim. Se tem um problema com isso, trate-o. Não se meta na relação de dois adultos!
- Você não sabe do que eu sou capaz!
- Pois não sei... mas você também não!
O telefone desligou-se do outro lado da linha. Alberto era um pai autoritário que se deixava cegar pelo preconceito e pela "desonra" que era ter aquela infame relação na família. Era um homem capaz de tudo para não ver o seu nome manchado...

*


Não muito longe da casa dos pais, Bernardo tocava à campainha do número 3 D da torre de São Rafael em Lisboa. DO outro lado, uma voz feminina e sensual ronronava dizendo que estava a ir.
Ao abrir a porta, olhou-o de alto a baixo e sorriu, despindo parte do seu roupão. Aquela era Sofia, a filha do melhor amigo do seu pai...

O motivo de Bernardo para tantas visitas à sua casa de infância...

Contagem progressiva para o fim da alma (o meio II/III)

- Bom, espero que tenha gostado do estagio.
A terapeuta Sandra Fernandes, despedia-se de mim e de todos os momentos passados em três meses. Tinha pena de deixar aquele local, o hospital de Santa Maria. Todos os dias novos doentes entravam pedindo ajuda porque a voz deixara de ser aquilo que era.
O 3º ano estava as chegar ao fim, e em breve seria terapeuta da fala. Bastava entregar aquele maldito dossier do estagio obrigatório, e saber a nota que se ia juntar ao do meu estagio livre e pimba! Era TF
- Tenho muito que lhe agradecer terapeuta. Aprendi imenso consigo neste estágio.
Despedimo-nos os dois e fui-me embora. Despedi-me das senhoras do guichet, das senhoras da limpeza, dos médicos e de tantas mais pessoas.
Nesse momento, um rapaz veio a correr pelos corredores, derrubando-me.
- Porra! Tens mais cuidado! Isto é um hospital!!!
Mas o rapaz nem sequer tinha parado. Corria com o seu cabelo aloirado ao vento, vestindo uma bata acizentada, que o identificava como médico legista.
- Queres ajuda? - nem olhei para cima, nem lhe reconheci a voz.
- Não! Deixa estar. Eu levan...o que é que estás aqui a fazer Bernas?
Timidamente, o rapaz por quem me tinha enamorado e comprometido, fazia no dia seguinte 6 meses, empenhava na mão, um ramo de rosas.
Nunca gostara que me oferecessem flores. Achava uma perda de vida!

- Hoje é sexta-feira...-
disse corando.


*


- Pai! Como está?
- Pedro... estou bem.
- Mas pai, o que se passou.
- Irritei-me só isso...
- o advogado estava deitado numa cama nas urgências por ter sofrido um princípio de ataque cardíaco.
Nesse mesmo momento, Mariana, a sua nova secretária, que tão apavorada, chamara o 112, arrumava os seus papéis.
- Para primeiro dia, não foi mau...
Para o chão caía a carta que incitara a raiva do seu patrão. Não vinha assinada, para desgosto de Mariana. O envelope, parecia ter sido deitado fora.
Quem era aquele tão misterioso homem que escrevera a carta?

terça-feira, junho 19, 2007

Contagem progressiva para o fim da alma (o meio I)

- Era um café e um pastel de nata, por favor.
- É p'ra já. - o empregado de mesa retirou-se em direcção cozinha. Tinha descoberto um café na zona de baixa pelo qual me tinha apaixonado. Tinha um ar de café inglês, de uma casa de chá chique mas cheia de cosinhas boas e com música de fundo jazista. Estava no meu paraíso.
- Tu por aqui? - levantei os olhos do livro técnica que estava a ler e corei. Bernardo sorria-me com os olhos e com a boca.
- Eu pergunto o mesmo! Tínhamos combinado na sexta! Andas-me a perseguir é?- ri-me um pouco. Sem perguntar se podia (porque sabia perfeitamente a resposta), sentou-se na mesma mesa que eu.
- Ando! Desde a tua casa em Linda-a-Velha.
- Eu moro em Cascais! - ri-me
- Oppss, então andei a manhã inteira a seguir um pobre coitado!
O garçon trouxe-me o pedido
- Vai desejar também alguma coisa? - foi então que reparei no seu olhar. Olhava-nos com ar snob e altamente discriminatório.
- O mesmo, por favor.
- Com certeza. - e assim se retirou.
- Bem se olhar matasse!
- E tu importaste com isso? Deixa o estar. Só se incomoda ele que ganha rugas e ulceras!
Admirei a sua leveza e a sua aceitação da situação. Passamos o resto do tempo a falar do que eu fazia, do que ele fazia, das coisas que cada um adorava fazer. Passados 20 minutos, lá apareceu de novo o empregado de mesa trazendo o café mais queimado e o pastel de nata com pior aspecto.
- Desculpe. Não havia um com pior aspecto? Eu gosto das coisas horrorosas.
O empregado encolheu-se de vergonha e apressou-se a ir buscar outro pastel e outro café. Eu, olhava Bernardo com um brilho nos olhos, tentando perceber se era ele o meu futuro.


*


Depois do café seguimos o nosso caminho. Caminhamos até ao cais do sodré e ele deu-me finalmente o seu número.
- Espero contigo até o comboio ir!
- Não! Vais perder aquilo que tens de fazer!
- Não faz mal.
Esperámos até ao comboio apitar e corremos os dois para o comboio.
- Mas... não ias ficar em Lisboa?
Bernardo sorriu e deixou-se ficar no comboio. Para sorte4 dele, o pica não passou nesse dia.
Saímos os dois no Estoril e caminhamos para os jardins do Estoril. Sempre flertando, sempre conversando, para desgosto dos casais que passavam e das pessoas que como eu se arrastavam na solidão dos dias.
Ao anoitecer, era hora de regressar a casa... No dia seguinte, mudar-me-ia para Lisboa, para uma zona bastante próxima do Hospital de Santa Maria. Ficaria no entanto com aquela casa em Cascais, para passar os meus dias de ócio...
- Bom. Tenho de ir!
E do nada, os seus lábios voaram pelo ar e invadiram a minha boca desprevenida. Um bando de pitas dos salasianos riu-se e assobiou, ouvindo-se em duas "Tão queridos"...



O mundo estava diferente... pelo menos o meu. Mas muito ainda teria de mudar...

domingo, junho 17, 2007

Contagem progressiva para o fim da alma (o início)

- Queres comer alguma coisa, antes de irmos?- eu e a Pipa estávamos na casa dela, descansando da caminhada em Sintra que tínhamos feito nesse dia. Trazia comigo a minha pequena personalidade, o meu ver do mundo fechado e o medo que sempre me caracterizou.

Algures no tempo, alguém me dissera
"És mesmo corajoso... gostava de ter a tua coragem...". Seria mesmo? A minha "condição" não se escolhe, aceita-se. A minha condição é apenas uma resposta a feromonas diferentes das ditas normais, para o ser humano do sexo masculino. Seria então um acto coragem, aquilo que eu tinha feito? Talvez... resolvera lutar contra o mundo preconceitoso que se fechava sobre si... agora estava a pagar as consequência:

1. Vivia sozinho, sem amor, sem qualquer ponta por onde pegar em termos de vida amorosa.

2. Vivia um tanto ou quanto acobardado em casa, esperando que algum rapaz da pizza ou algo assim, me tocasse na porta de entrada, confuso e enganado quanto ao pedido.

3. Vivia dependente da vida dos outros para viver, quase como um parasita...

Tirando isso, tinha orgulho em mim. Tinha levantado a cabeça à desilusão e à tristeza já tantas vezes, e ainda aqui estava, erguido, direito e ainda que desfeito por dentro, sem um arranhão na fortaleza exterior.

- Não linda. Acho que estou cheio de travesseiros ainda.
E assim partimos. Estava no 3º ano da faculdade, mais uns meses e poderia trabalhar. Tirava Terapia da Fala em Alcoitão e dissera desde o primeiro dia que aquela tinha sido a melhor decisão da minha vida. Sentia-me no meu meio, entre palavras mal-articuladas, cantores com problemas de voz e crianças que ali se punham, ali ficavam, sem necessidade alguma de comunicar. Sentia-me feroz, implacável, e cheio de vontade de viver para além disto...

Chegamos ao arraial da faculdade de ciências de Lisboa, meia hora depois. Pipa telefonou logo aos seus colegas todos para virem lá ter.
- Pera um bocadinho aqui Carlos. Vou buscar os meus colegas que estão do outro lado do recinto.
- Ok... mas não te demores! Já sabes que eu não lido bem com massas!
- Sim... começas a sentir-te estranhamente sozinho!- Pipa troçou.
Mas a verdade era essa: Quando estava sozinho não me apercebia da solidão. Só quando punha música a tocar ou quando toda a gente à minha volta sorria alegremente para alguém, não tendo eu alguém para sorrir.
- Opss. Desculpa!- um rapaz entornara meia cerveja para cima de mim.
- Era mesmo isto que eu precisava! - Exclamei irritado...
Mas o rapaz não ligou, tropeçando em mais vinte pessoas, deixando-me a limpar o peito, com um mísero guardanapo que consegui roubar de uma das tasquinhas do arraial.
- Precisas de ajuda?- um outro rapaz aproximou-se. Comecei a corar.
- Ah.... - ia começando a falar
- Não obrigado! Eu consigo!- uma mamalhuda histérica tinha deixado cair a carteira para o chão...Era para ela que o rapaz falava!
- GOD! Pipa vem depressa!!!
Mas não havia sinal dela...
- Bom! Vamos atacar as bebidas. - decidi.
Tantas barraquinhas e não havia meio de escolher... uma tinha só sangria, outra só caipirinha.... e outras que a partir do momento em que encontrei as duas já referidas, deixaram de ter importância.
- Qual das duas?- numa delas, um rapaz giríssimo, moreno, alto de olhos castanhos e com um sorriso fantástico, distribuía bebidas pelo pessoal. No outro, uma figura semelhante em beleza e sorriso, fazia o mesmo.
- Hmmm.
- André! Três cervejas, se faz favor!- uma rapariga gritava ao meu lado. O rapaz levantou o olhar e dirigiu-o para mim. Senti-me como se fosse cair redondo no chão. "Ele está a sorrir para mim?"- pensei. Tudo me dizia que sim.
Olhei então para a outra barraca.
Onde tinha ido o outro rapaz?
De repente um copo de sangria colocou-se à minha frente, vindo do nada.
- Oi! - Bernardo sorriu-me e ali fiquei enfeitiçado. Passamos a noite toda a conversar, eu esperando pela Pipa que entretanto estava já bêbeda e dançante, junto à barraca do rapaz da Caipirinha. Só a encontrei às 5 da manhã...

Hoje me pergunto, se tivesse escolhido a caipirinha e tivesse ignorado a sangria, onde estaria eu agora...

sexta-feira, junho 15, 2007

Meu amor,
Tu ainda não sabes, mas vais partir o meu coração.
Ele é frágil e vulnerável e está nas tuas mãos, mas tu não o sabes.
E por isso, vais parti-lo.
Por isso e porque não queres um coração de cristal.
Ele comporta demasiados riscos, necessita de cuidado, carinho e atenção.
Mas tu não sabes isso, porque não tens um coração de cristal, meu amor.
E um coração de cristal não vem com instruções.
Eu vou esperar que o partas, em pequenos pedaços, que o fragmentes e o deixes irrecuperável.
Porque uma vez partido, um coração de cristal não se cola.
Fica para sempre partido.
Mas tu ainda não sabes.
Tu ainda não sabes que vais partir o meu coração.

Catherine
Posted by Joana*

Bartleby*

Eu queria um biombo.

Tu deste-me um biombo.

Não que eu goste de biombos e não que tu gostes de uma divisão tão falsa.

Mas ainda assim pusemo-lo os dois aqui, no meio.

Coloquei-te longe dos olhos, mas perto da minha voz.

Achei que te podia chamar quando necessário (ou mesmo quando supérfluo mas apetecível).

Mas não vieste quando chamei.

Não sei se preferiste não o fazer (assumo que prefiras).

Tenho parcos dias para te pôr do lado de fora da porta ou do meu lado do biombo.

Preferia não escolher.

Talvez preferisse sair eu pela porta e não entrar mais.

Mas preferia mesmo não ir ao teu lado do biombo.

Preferia não ter que preferir.

domingo, junho 10, 2007

Vidas IV (by Joana)

Ela levantou-se. Olhou para o corpo iluminado pela luz matinal que despreocupadamente repousava por entre os lençóis revolvidos.
Casamento? Como a maior parte das mulheres, a ideia já lhe passara pela cabeça. Um dia de sonho, com a pessoa perfeita ao seu lado, o tipo de amor verdadeiro. Aquilo que ela tinha e na noite anterior lhe parecera tão maravilhoso e que ela aceitara sem pensar duas vezes, entregando-se àquele pedaço de céu que era ele. Olhou-se ao espelho. Não se encontrou na imagem baça que estava à sua frente. Talvez fosse melhor parar com os raciocínios. Alguém certa vez lhe dissera que quando pensamos menos nas coisas, elas correm melhor. Despachou-se a arranjar-se, tinha uma reunião com um cliente importante e os pensamentos já a tinham atrasado.
Olhou para ele uma última vez: possuía a serenidade de uma criança a dormir. Beijou-lhe a testa e saiu, sabendo que ele ainda ficaria ali. Eram 9h00.
Cerca das 10h11, ele acordou. Sentiu o vazio que ocupava o lado direito da cama. Ela já saíra. Sentia-se feliz, realizado. Nunca pensou um dia vir a sentir tal coisa, mas a verdade é que ela lhe transmitia uma segurança e uma paz que sempre julgara apenas existirem em contos de fadas.
Ele amava-a e se alguma incerteza houvea, agora não tinha dúvidas que ela era a mulher da sua vida. Levantou-se, o corpo desnudado. Olhou-se ao espelho. Viu um homem forte, com certeza e com um caminho a trilhar, um caminho que passava pela felicidade junto dela.
Ainda se demorou em casa dela. Tomou banho, dirigiu-se ao seu cantinho no armário, vestiu-se. Sentiu-a ainda ali, naquele pequeno espaço, que era tão dela, mas que tinha tanto de si.
Saiu, e dirigiu-se para o carro, arrancando sem saber muito bem para onde. Talvez fosse ao quartel, a outra parte da sua vida que o completava. Talvez fosse dar as novidades aos colegas e superiores. Não sabia. Só sentia que o que realmente queria era cheirar o cabelo dela e agarrá-la gentilmente pela cintura.
Catarina fechou-se na casa de banho do escritório. As suas certezas confirmavam-se. Dentro de si uma nova vida nascia. Tinha tudo aquilo que tantos anos antes sonhara e acreditara que lhe daria a felicidade: um homem que a amava e um casamento a ser realizado, uma carreira com êxito, a sua própria casa, a sua autonomia e independência e agora, um filho. Mas na verdade, Catarina não se sentia feliz, muito pelo contrário, sentia-se miserável. Sabia que David iria delirar com a notícia, afinal de contas, ele mesmo era uma criança em ponto grande. Mas ela não. Ela não sabia lidar com aquilo. Talvez se tivesse precipitado. Talvez não devesse casar. Talvez nem sequer amasse David. Onde estaria a Catarina de outrora?
Deitou o teste fora, cuja risca cor-de-rosa anunciava ao mundo que uma criança vinha a caminho e saíu do cubículo cinzento, o portador das (más?) notícias. Olhou novamente para o espelho e continuou sem se reconhecer, embora desta vez tenha visto algo diferente: algo dentro de si crescia, e embora o seu reflexo fosse algo distorcido, Catarina sentia dentro de si uma luz.
David acabara por conduzir até à praia, local do primeiro encontro. Pela primeira vez na sua vida, sentia-se completo e livre. Tinha tudo o que queria: a carreira militar, a mulher dos seus sonhos e um futuro a ser vivido junto dela. Ainda que normalmente fosse uma pessoa séria, hoje não conseguia parar de sorrir. E já não chovia, como na noite anterior. O sol brilhava com todo o seu calor. David esticou-se na areia e sorriu.

quinta-feira, junho 07, 2007

Fazia hoje seis meses desde que Verónica desaparecera da Terra. Melhor dizendo, desde que desaparecera dos olhos dos mortais, porque na verdade ela continuava sempre ali, vigilante, desde o dia em que morrera.

Parecia que se passara uma eternidade, quando na verdade a eternidade era o que a aguardava quando finalmente decidisse abandonar este mundo. Verónica sentia-se mortalmente (ou imortalmente, não sabia) aborrecida.

Quando nascera para a morte, tudo parecera maravilhoso. Fora como ganhar asas após anos a arrastar-se pelo chão. Partira do seu corpo, mas resolvera que não havia chegado a hora de partir da sua alma. Correra todo o mundo...mas deixara de ter existência para experimentar todas as suas belezas ou lágrimas para chorar todos os seus horrores.

Regressara a casa. Mas não era a sua casa. Era a casa do seu corpo onde milhares de fotografias suas sorriam nas paredes e onde um vulto negro que custumava ser a sua mãe chorava todos os dias ao olhá-las.

Queria dizer-lhe que estava ali. Queria dizer-lhe que estava bem. A bem dizer não estava nada pois deixara de sentir. Temia que em breve não só os sentidos como os sentimentos se esmorecessem. E então não lhe restaria mais nada senão o esquecimento, o mesmo que procurara quando morrera, mas que lutava agora por lembrar...

Não havia como voltar atrás...e o pouco de alma que ainda lhe restava presa à terra arrependia-se cada dia um pouco mais. Não queria morrer mais...nunca pensou que morrer implicasse estar morta. Era absurdo, mas era a mais pura verdade...

Nesse mesmo dia uniu o último pedaço da sua aura a um corpo que andava solto pela Terra.
Verónica decidira viver...
MONSTROS!
ESQUECEMO-NOS DE FESTEJAR. O NOSSO BLOG FEZ NO DIA 4 DE JUNHO 1 ANO DE VIDA!!!:p
HAPPY BIRTHDAY!
atrasado...

Contagem regressiva para o fim da alma - 7º dia

" Caro colega.
Venho por este meio responder à sua carta relativa à criança Susana Martins. Mediante os dados da avaliação da linguagem..."

- Que merda! Isto hoje não me sai!!!- escrevia pela terceira vez aquela carta para o psicólogo.
Subitamente, aquele olhar, bloqueou-me a visão. A sua fotografia, pousada sobe a minha metálica secretária, olhava-me penetrantemente.
- PÁRA! - gritei para ele. Mas também? Porque tinha eu ainda a sua fotografia no meu consultório?
- Trim, trim. - o telefone tocou.
- Estou.
- Estou gajo bom... quero-te conhecer...
- Pipa...
- Oh! Era suposto não perceberes que era eu!
- Pipa, tu só tapaste o nariz. Já te ouvi constipada antes, sim? Então diga lá estrabeca, o que quer?
- Nada...- a sua voz mudara de tom.
- O que se passa?
- Nada, só queria falar.- definitivamente algo se passava. Filipa estava do outro lado, com uma voz séria e com a fala intercortada. Não me parecia triste, nem alegre. Talvez só desconfiada ou irritada.
- Filipa Maria que se passa, diz-me já imediatamente, ou eu vou aí ao teu laboratório e danço nu em cima das vossas experiências.
Do outro lado, um riso se fez ouvir. Já mais descontraída, pipa falou.
- É o Pedro... está, distante.
- hmmm. E tens alguma ideia por quê?
- Nem por isso. Telefonei a ver se sabias... és gajo e tal...
- Também sou gay e tal e não percebo nada de heteros!
- Bah! Não serve para nada a bicheza!
- Olhe, estrabéquia! Ele é seu namorado! Você é que devia saber!
Naquele momento, senti de novo aquele olhar sobre mim. Ele já não me era nada, nem se quer amigo. Então porque é que qualquer menção a qualquer tipo de relação desencadeava aquela reacção? Abanei a cabeça.
- Enfim... acho que deve ser só imaginação minha!
- Talvez. - estava já desligado da conversa.
Como sempre, sem bater, Rosa entrou no consultório.
- Doutor. Está aqui a Susanita!
- Pipa, tenho de desligar. Chegou a minha paciente.
- Tá. Depois falamos!
Desliguei o telefone e levantei-me, caminhando para a sala de espera.
*
- Tou Joana. Oi!
- Mary, diz o que queres. - Joana respondia despachando-a.
- Ui! Má altura?
-Um bocado. O chefe está-nos a dar uma descasca! Não podes ligar mais tarde?
- Oooo. Tá bem.
Mariana desligou o telefone, entristecida. Queria falar com alguém. Queria só desabafar, dizer baboseiras e parvoíces. Queria sair dali, do seu pequeno escritório, onde controlava os seus interesses e o seu patrão. Já para não falar do seu trabalho dito oficial.
- Oh não! Ainda me faltam estes ficheiros todos! - Mariana suspirou e começou a trabalhar. Tinha de arquivar pastas atrás de pastas para aquele porco do seu patrão. Mas também, era ele que lhe pagava o ordenado e era ele que a satisfazia no departamento do sexo. No do amor? Ninguém tinha ocupado o lugar. Sentia em si um vazio que todos os dias escarafunchava e abria as feridas da sua alma.
- Que é isto? - no meio dos papéis, uma carta amarelada, cheia de manchas de café aparecia.
Mariana começou a ler:
"Doutor Sampaio Neves. Recuso a sua proposta. É totalmente descabida e até ofensiva. Se não se importa, vá apanhar no ..."- Mariana engoliu em seco.
- Ui... um cliente desagradado!- disse rindo-se e continuou a ler
"Quando a sua proposta melhorar significativamente (no valor acordado), eu retirarei a queixa que tenho contra si, na polícia. Até lá. Passe mal!"
A assinatura estava borrada. Uma grande gota de café tinha caído sobre ela. Só duas letras estavam visíveis.
- A... L...Alberto? Será?
Quem quer que fosse parecia determinado a acabar com a vida de alguém se assim fosse preciso...
*
- Pronto. Por hoje é tudo, Susanita.
- Adeus senhor terapeuta.
- Adeus Dona Guilhermina.
Exausto de mais uma dia de vida, atirei-me com toda a força contra a cadeira.
- Bom. Vamos lá escrever a carta.
" Caro colega.

Venho por este meio responder à sua carta relativa à criança Susana Martins. Mediante os dados da avaliação da linguagem e da anamnese, venho conclu..
- Porreiro. Raio da caneta, está sem tinta.
Insisti um pouco, riscando um pedaço de papel. Nada. Voltei a insistir e outra vez e lá voltou ela a escrever:
"Concluir que apresenta"
- Que treta!- voltei a riscar o papel e outra vez e consegui escrever mais duas palavras, mas parecia que a caneta tinha mesmo chegado ao fim. Subitamente, aquele olhar... aquele olhar da foto sorridente de Bernardo, penetrou-me a alma novamente...
Havia coisas, que por muito que insistíssemos, só conseguiam aguentar-se por períodos pequenos... Aquela caneta era uma delas. Por muito que riscasse, só a reanimava por segundos, para a ver morrer outra vez. Estaria eu a tarde naquilo ou desistiria? Ela estava condenada a extinguir-se daí a poucos minutos...
- Hmmm- murmurei. E olhando para aquela foto, compreendi. Chegara o momento de deitar a caneta e a foto para o lixo...

segunda-feira, junho 04, 2007

Contagem regressiva para o fim da alma - 8º dia

- Pipa, não me apetece!
- Vá lá, não sejas cortes. Estamos só a gozar com o pessoal inglês da mesa do lado!
Estávamos naquele mesmo café, onde tinha sido o meu primeiro encontro com "Aquele cujo nome não deve ser pronunciado". Basicamente, estava ainda na fase da merda...
- Vá lá! Há quanto tempo tu não te ris? Ou aliás, sorris?
Bateu como uma pedra, aquele comentário. Não sorria às vários dias, mesmo antes da morte da minha alma...
- Bem...
Pipa olhava-me não com pena mas com carinho e sorria-me. Quase como uma pessoa que teve um acidente e tem de aprender tudo de novo, os meus músculos começaram a reagir...
Seria possível que não me lembrasse como se sorria?
- Vá lá! Vá lá, putxi putxi! Vá lá. - dizia pipa gozando, tratando-me como um bebé.
Finalmente e com muito esforço, um tremendo sorriso rasgou-me a cara
- Vamos lá é ao Continente que eu preciso de comprar comida.
- Bora.
*
- Madalena! O meu peito percebeu... que o mar é uma gota, comparado ao pranto meu ie ie ie ie ie iu! - Mariana cantava com os seus fones postos, enquanto de olhos fechados, ia sentindo a música.
- MARIANA! - o patrão estava a chamá-la. Mas ela não ouvia.
- Quando o nosso amor desperta, logo o sol se desespera! E se esconde..- O patrão arrancou-lhe os fones, fazendo-a gritar de susto e cair da cadeira.
- Desculpe, estava distraída...- disse Mariana levantando-se do chão.
- Sem comentários...tome lá... é para arquivar.
O advogado passou-lhe para as mãos o que parecia ser uma certidão de um terreno. Estranhamente, aquela não era a sua assinatura, mas sim a de um amigo de família. Estava no entanto mal feita.
- Bom... o homem também bebia. Deve ter assinado isto numa daquelas fases...- disse Mariana. Continuou a ler
- Propriedade em São Pedro do Estoril, com 500 m2... elá! Isto é uma quinta!
O documento eventualmente foi arquivado, depois de passar na inspecção de Mariana. Achou estranho o amigo do advogado, dar-lhe um terreno assim tão grande. Mas também, o homem devia-lhe dinheiro...
*
- Have you seen him? He was mar-ve-llous!
- Viu-o ontem? Estava MA-RA-VI-LHO-SO!- do café para o shopping, a mesma actividade imperava. Pipa gozava com uma pita inglesa, toda coquete e cheia de pompa e ciscunstância.
- I did! Like, I was so like amazed!
- Eu vi! Tipo... eu fiquei tão... tipo, espantada.
Não tínhamos mesmo nada para fazer naquele dia... Ela estava de folga, eu tinha tido a sorte de não ter consultas para esse dia. Tinhamos ido almoçar e agora gozávamos os dois com os turistas histéricos, mais novos que nós.
-Totally cool
- God... Estas pitas estão mesmo histéricas!
- Coitadas... deixa-as lá. - dizia eu, enquanto procurava pelo meu shampoo preferido.
- Holly Cheat! - exclamou a pita mais histérica...
Nesse mesmo momento, mal estava eu a tirar o shampoo, quando Bernardo apareceu à minha frente. Não me viu é certo. Mas fiquei de rastos novamente.
Por quê? Com tanto sítio para onde podíamos ter ido, por quê aquele?
- SANTA MERDA- traduzi sem querer...
As pitas olhavam para ele, quase salivando...
- Pipa...- disse atormentado
- Diz. - Pipa ainda não o tinha avistado
- Bora sair daqui!
- Mas eu estou tão divertida, a gozar com... o que é que aquele cabrão está aqui a fazer?
- Isto é um local público!
- Sim, mas não interessa! Vamos embora, antes que eu lhe parta a cara. Aliás! Vou lá num instante e já vamos!
Agarrei-a pelos braços, puxando-a para trás dos expositores. Quem viu a cena deve ter achado muita piada. Quase digna de um filme de Woody Allen. Acabámos por sair dali, deixando as comprar no meio do chão.
*
- Amor... queres levar isto? - Joana gritava do outro lado do corredor.
- Pode ser. E que iogurtes levo?
- Os da danone... os cremosos.
Bernardo agarrou nas compras e juntou-se à namorada do outro lado do corredor. As pitas estavam de tal maneira enfeitiçadas que não viram o cesto deixado no meio do chão. Voaram compras por todo o lado, quando uma delas no cesto tropeçou...

domingo, junho 03, 2007

O Segredo…

Posso ter defeitos, viver ansioso e ficar irritado
algumas vezes
mas não esqueço de que a minha vida é a maior
empresa do mundo,
E posso evitar que ela vá à falência.

Ser feliz é reconhecer que vale a pena viver apesar de
todos os desafios, incompreensões e períodos de crise.
Ser feliz é deixar de ser vítima dos problemas
e se tornar um autor da própria história.
É atravessar desertos fora de si, mas ser capaz de
encontrar um oásis no recôndito da sua alma.

É agradecer a cada manhã pelo milagre da vida.
Ser feliz é não ter medo dos próprios sentimentos.
É saber falar de si mesmo.
É ter coragem para ouvir um “não”.
É ter segurança para receber uma crítica,
mesmo que injusta.

Pedras no caminho?
Guardo todas, um dia vou construir um castelo


Fernando Pessoa

sábado, junho 02, 2007

Contagem regressiva para o fim da alma - 9º dia

http://www.youtube.com/watch?v=uzA0nG_PurQ
(coloquem no segundo 15 e só então carreguem no play)

O 406, partia do Cascaishopping em direcção ao Estoril. Estava como sempre apinhado de gente e fazia um calor que não se podia! Na rádio, Mika chamava por Grace Kelly.

I wanna to talk to you...
The last time we talk mister smith, you've reduced me into tears!


- Excuse me! Can you tell me if this bus is going to Estoril?
Levantei os meus olhos cansados do livro técnico, que fingia ler. Estava cansado, não só porque não tinha dormido nada na noite anterior, mas também da minha vida. Via o Bernardo em todo o lado. Vi a sua traição em cada grupo de namorados. Via-me a mim, triste e abandonado, em cada solitário que passava pela rua.
- Yes it is! - respondi agressivamente ao estrangeiro. Não queria falar, não queria se quer estar com pessoas. Era nestes momentos que eu desejava ter tirado a carta...
- Having a bad day?
"Mas este parvalhão não percebeu?". Só então olhei bem para ele. Era um rapaz da minha idade, vestindo um top masculino verde, às ricas, mostrando os seus braços morenos. Tinha os olhos verdes e um sorriso muito bonito.
- Yes...- suspirei e terminei ali a conversa.

Angry doesn't solve anything!

- I'm david! - o estrangeiro continuava, com um sorriso amoroso.
Não resisti por momentos e sorri.
- I'm Carlos
- You have a pretty name!
"Ele está-se a fazer a mim??" - comecei a pensar - " Que bad timing!"
Conversámos por momentos sobre Portugal e sobre o seu país de origem, EUA. Também ele odiava o Bush, e todos aqueles mentecaptos que achavam que a diferença devia ser bem marcada.

Why don't you like me

Também ele se queixava da ignorância do seu povo e da hipocrisia dos seus. Queixava-se do namorado que o tinha deixado e de toda a raiva que sentia. Assim passei uma parte do tempo, dentro do autocarro, enquanto a música fazia-se ouvir.
Foi então que chegámos de novo a Alcoitão. Na parede, ambos reparámos no graffitti, mas só eu percebi. Em letras pretas, quase apagadas até, alguém escrevera:
Ele Ama-te!
- What does it mean? - perguntou-me ele, vendo a minha cara
- "He loves you"...
O silêncio instalou-se por breves momentos entre nós os dois.

Why don't you like me, Why don't you like me, WALK OUT THE DOOR

- Well. This is my stop. Nice to meet you David.
- You too.
Despedimo-nos e saí do autocarro.
"Estúpido" - pensei - "volta a entrar entro desse autocarro e trata de o engatar!". Mas o meu corpo ainda respondia apenas a Bernardo.
"Mexe-te! Vá lá!"
Comecei a reagir. Sem pensar, comecei a minha corrida para apanhar o autocarro., gritando ao senhor motorista para parar o autocarro!
- Pare!
Mas ele não parou, levando consigo a minha última lofada de esperança e alegria...
Ou seria?


*


- Então men? Nunca mais? É sexta-feira!
Joana esperava por Bernardo, reclinada sobre a sua secretária. Não tinha prendido ninguém hoje, tal como em todas as sextas-feiras. Estaria mais distraída do que nos outros dias?
Só pensava naquele rapaz, dia após dia, implorando ao tempo para que passasse mais depressa para acolher aquele ramo de flores, no seu regaço.
O tempo ia passando e nada.

- Por que demorará ele tanto?

*


- Porra! Já estou Bué atrasado!
- Aonde vais? - uma rapariga qualquer dormira com ele na noite anterior. Os seus corpos ainda estavam desnudados e esquecidos por entre aqueles lençóis brancos que não passariam à inspecção da luz violeta...
- Tenho coisas para tratar.
- Ah tá bem. Então deixa-me vestir.
Vestiram-se os dois e comeram qualquer coisa, sempre com Bernardo tentando sair de casa, despachando a rapariga.
- Então, depois telefona-me, ok?
- Claro.- Bernardo conseguira expulsá-la finalmente. - Chiça! Que tava difícil livrar-me desta gaja!
Correndo, Bernardo saiu de casa e dirigiu-se à florista da esquina. Aí ,comprou um ramo de rosas e correu para o carro.


*

- Sorri linda! Já cheguei.
Joana nem o vira entrar. Estava com cabeça apoiada na mão. olhando o vazio. Mas mal ele entrou, o seu mundo ficou tão mais colorido...

*

- Para a estação do Estoril, se faz favor! O mais depressa possível. - ordenei ao taxista.
De prego a fundo, o taxi percorreu as ruas de Bicesse, depois as de Atibá e de uma terriola chamada Alto dos Gaios. Em cinco minutos, pus-me no Estoril.
- Obrigado. - gritei, fechando a porta e correndo para a estação. David tinha-me dito que ia para Lisboa, para apanhar o comboio para o Porto. - Ainda o vais apanhar Carlos! Não percas a esperança.
As pessoas à minha volta devem-me ter chamado de Louco. Mas que importava. Teria a oportunidade de o apanhar!
Meti-me no comboio, que supostamente seria o dele e pus-me em direcção a Lisboa. De estação em estação, fui-me metendo em diferentes carruagens, procurando-o. Quando cheguei ao Cais do Sodré, não havia sinal dele.
- ESTÚPIDO! MEU ANORMAL! - agora é que todos me chamavam de louco. Batia com os pés no chão da estação e gritava do fundo dos meus pulmões.
Passada a raiva, desisti de o procurar. Meti-me de novo no comboio, e voltei para Cascais.
Quando o comboio estava já em andamento, a sair da estação, um novo comboio chegava à estação. Mal as portas se abriram, David saiu do comboio, carregando uma mala de viagem.

Soube naquele momento, que não estava destinado a acontecer. Pelo menos, não agora. E aceitei o que tinha deixado escapar... Mas quem sabe, talvez não fosse para isso que o tivesse conhecido? Estava naquele momento feliz por estar livre daquele demónio do Bernardo! Estava convicto de que a minha vida iria mudar! Estava convicto de que a minha felicidade dependia de mim!


Isso era bem melhor do que um namorado novo...

sexta-feira, junho 01, 2007

Envelhecer...

O que vai acontecer quando eu descobrir que não estou farta de bolachas, estou farta de comer?
O que é que eu vou fazer quando estivar cansada não do cheiro dos meus lençois mas de dormir (e talvez sonhar)?
E quando já não souber porque não gosto de sol, nem de chuva, nem da lua ou das estrelas, nem do calor nem do frio?

E se eu desligar o rádio para sempre e não quiser mais sentir a voz humana?

O que vou pensar quando a minha conta do telefone se limitar ao aluguer da linha?

O que sou eu quando já não quiser ver o mundo ou que ele me veja?
O que sou eu quando não me interessar (sobre)viver?
porque hoje é dia da criança
"I won't grow up"