terça-feira, julho 31, 2007

paint


Devia ter coberto o rosto com uma camada grossa de maquilhagem.
Não terias nunca de ver nenhuma das minhas rugas, nenhum dos meus sinais.
Nenhuma marca que não quisesses.
Porque não gostas de marcas e não consigo perceber porque me esforcei tanto por tas mostrar.
Se calhar devia ter mentido e fazer-te feliz...


E devia ter coberto o corpo.
As minhas cicatrizes não são para os teus olhos.
Muito menos as que tu fizeste.


Mas decidi um dia que a verdade era mais importante que isso...


por vezes odeio-te por odiares a minha verdade

segunda-feira, julho 16, 2007


"Too much love will kill you"


sexta-feira, julho 06, 2007

Contagem regressiva para o fim da alma - 4º dia

De novo me deitava naquele chão aquecido pelos tapetes... a "tragédia" acontecera a quatro dias... e à quatro dias que eu chorava...
No trabalho, saía a meio das sessões pedindo desculpa e dizendo que tinha de ir tomar um comprimido para a dor de cabeça horrível que tinha naquele dia. Os pais lá iam torcendo o nariz e houve mesmo um que se levantou e pegando na criança, deixou o consultório.
Em casa, deixava-me cair no chão, esperando por aquela língua felina carinhosa, que me dava as boas-vindas e me adorava pelo que eu era: o seu alimentador.
Na rua, fugia do contacto com o mundo, olhando para o chão e nunca nos olhos dos transeuntes...
Nada importava para mim, naquele momento. Nem o trabalho, que sempre fora a área em que nunca tinha tido problemas; nem dos amigos ou da família. Queria fugir, fugir para um dos pólos gelados e alimentar-me da simplicidade do mundo natural, esquecendo-me que um dia já fora da civilização. Queria dar festinhas aos pinguins e viver rodeado daquele inóspito que se assemelhava àquele que dentro de mim, desbravava caminho por entre os cacos da minha alma.
- Trimmm
O telefone tocou...
- Trimmm trimmm
E de novo insistiu, e de novo... e de novo. Não atendi.
"Deixem mensagem!" -
pensei, tirando o lado esquerdo da cara do chão, e pondo o lado direito ao dispor da marcação da fibras do tapete na minha pele.
- Olá, ligou para o Carlos. Neste momento não posso atender, por favor deixe a sua mensagem. BIP
- Vá lá Carlitos! Estou a tentar falar contigo à séculos! Tenho que te contar umas coisas!É sobre o Pedro... (suspiro) Vá lá atende... não podes ficar deprimido e encostado ao chão para sempre!!! Sim, eu calculo que estejas agarrado ao tapete neste momento! Vá lá, eu preciso de ti.... não? Então liga depois...
Era inacreditável! Pipa era a 3ª pessoa que me telefonara nesse dia para me dar notícias.
- Que falta de sensibilidade!!!- gritei de raiva.
Seria possível que as pessoas não respeitassem o desgosto dos outros! Era eu que precisava de desabafar, não eles!
Nesse momento, olhei para a Pandora. Os seus olhos azuis turquesa sorriam-me com compaixão e felicidade por estar ali. Tentei tocar-lhe ,mas ela fugiu. As suas necessidades não eram aquelas, naquele momento.
Então compreendi... o mal não era dos seres humanos e não da Pipa ou dos outros em específico. O mal era de todos os seres dotados de emoção. Todos lutam pela sua sobrevivência e pela sua felicidade, e todos eles, quando confrontados com os sentimentos dos outros, tendem a fugir ou a afastar-se quer em presença quer em emoção, para não se envolverem. Que importa o que os outros sentem, se nós próprios não estamos bem?
Seria justo achar mal da Pipa, só porque ela tinha problemas, talvez mais simples do que eu?
Não era... cada um sente os seus problemas de formas diferentes e cada um deles só se consegue interessar pelos problemas dos outros, se os seus já estiverem arrumados.
- Trimmm
O telefone tocou outra vez. Do chão, conseguia ver o visor que mostrava o número de Pipa.- Bom... que fique alguém feliz! - levantei-me e esforcei-me por lutar contra a minha essência de ser vivo. Agarrei no telefone e esquecendo-me dos meus problemas, tentei ouvir o que a Pipa tinha a dizer, tentei sentir o que ela estava a sentir...

quinta-feira, julho 05, 2007

- Sabes Carmelo...às vezes acho que estou condenado a ti...

As palavras de João soaram aos ouvidos de Carmelo com a mesma dor que é produzida pelo som agudo de unhas num quadro.

- E o que fizeste tu para mereceres uma pena tão pesada quanto eu?
- Não Carmel, não é uma pena de prisão...é uma condenação tão forte e certa como a morte!
- Sinto-me muito mais feliz agora...
- Como a morte porque me parece que nunca tive outra escolha senão caminhar para ti...
- Desvia-te!
- Porquê?
- Não sejas igual a mim, por favor...