Senhor Doutor (II/III) - com bolinha vermelha!
- Senhor Doutor?- Por momentos permitiu à sua mente divagar para anos anteriores, quase esquecidos por entre as velharias do inconsciente do Doutor António.
- Sim?- Disse na sua voz trémula, de interno. Aquele era o primeiro dia da sua especialidade. Estava acagaçado com medo de matar alguém logo no primeiro dia.
- Temos uma operação no bloco que deveria ver. - quem falava era a enfermeira Isabel. Os seus belos 20 e poucos anos brilhavam com luz sobre a água. A sua juventude transbordava daquele uniforme. António sentiu-se corar, por pensar tamanhas coisas. Ela era de facto da sua idade...
- Sim... Senhora enfermeira...
- Sim?
- Gostaria de sair... comigo esta noite.
A enfermeira riu desenfreadamente na sua cara. António nem lhe deu tempo para responder. Correu escada acima, do piso 3 ao piso 4, para então se chafurdar no sangue dos doentes.
- Sim?- Disse na sua voz trémula, de interno. Aquele era o primeiro dia da sua especialidade. Estava acagaçado com medo de matar alguém logo no primeiro dia.
- Temos uma operação no bloco que deveria ver. - quem falava era a enfermeira Isabel. Os seus belos 20 e poucos anos brilhavam com luz sobre a água. A sua juventude transbordava daquele uniforme. António sentiu-se corar, por pensar tamanhas coisas. Ela era de facto da sua idade...
- Sim... Senhora enfermeira...
- Sim?
- Gostaria de sair... comigo esta noite.
A enfermeira riu desenfreadamente na sua cara. António nem lhe deu tempo para responder. Correu escada acima, do piso 3 ao piso 4, para então se chafurdar no sangue dos doentes.
*
Próxima paragem..... Marquês de Pombal.
Naquele dia, a linha amarela estava com muito pouco movimento. Decidiu então mudar para a linha azul. Queria que a sua morte fosse um espectáculo. Que todos os vissem a esturricar naquela linha carregada de energia suficiente para o fazer derreter....
Queria que todos vissem os seus miolos a voarem para todo o lado.
Naquele dia o seu sadismo estava mais do que aguçado.
Saiu então naquela estação toda bem decorada e caminhou para a linha azul, onde seria o seu último destino...
Caminhou lentamente pela estação, fazendo aquele caminho lento de pessoas suadas, que se empurravam umas as outras.
"Boa! Estão a começar a chegar!"- pensou ele. De todos os lados começavam a surgir pessoas vindas do exterior. Traziam os seus olhos postos no vazio, como sempre. Mas em breve, aqueles olhos tornar-se-iam câmaras fotográficas, que sem flash, registariam o seu fim.
Chegou então àquelas escadas de pedra, que davam para a plataforma verde escura e sombria. Sempre detestara aquela plataforma. Parecia retirada de um filme de terror.
"Que melhor sítio?"- pensou.
Estava tão absorto nos seus pensamentos, que nem reparou que o metro estava a chegar.
*
- Bom trabalho!- disse o seu tutor, ao fim de 4 operações. - pode ir almoçar. Depois vá ter às urgências comigo.
E assim o fez. Na escada cruzou-se com a enfermeira Isabel que o olhou sorridente e lhe tentou falar. Não parou se quer... acelerando o passo desceu a escadaria em direcção ao refeitório.
Teve cerca de 30 minutos para almoçar. Nesse dia degustou cada pedaço de carne... cada pedaço de pão. Cada pedaço de existência e sucesso. Terminara o curso de Medicina com média de 19,6. Teria tido 20, não fosse ter tido um 16 num trabalho.
"Que medíocre!"- pensou.
Em breve, ou melhor, daí a três anos, estaria a trabalhar ali, como Otorrino. E quem sabe, daí a uns tantos anos, não seria Director do Serviço.
O que lhe interessava, como grande parte dos seus colegas, era o poder. O poder e a sensação de se armar em Deus, cortando aqui e costurando acolá. Era tudo. Era ele quem comandava a vida. Era ele que ditava quem vivia e quem morria.
Subitamente o seu Pager começou a apitar.
- Quem é agora...- resmungou.
Era a enfermeira Isabel.
Correu escada a cima. O que se passaria?
Chegou então ao piso 4.
- O que se passa.
- Um senhor necessita da sua ajuda. Não há mais médicos aqui.
- Ok! O que se passa?
- Caiu-lhe um objecto pesado em cima da laringe. Esmagou-a....
Um arrepio arranhou-lhe a espinha. Mesmo assim, não transpareceu nenhuma emoção.
Vestiu a bata verde a correr e foi juntar-se À equipa de salvamento, dizendo para si próprio: "Sou maior que Deus! Eu decido quem vive.... e este senhor vai viver!"
*
- Bolas! Perdi o metro! - exclamou irritado
- Não se preocupe. Eles vêm de 5 em 5 minutos. - sorriu-lhe uma velhota.
Por dentro teve vontade de rir à gargalhada. " Sua velha decrépita! Vais ser a primeira a ver-me partir! E com sorte, ainda vens atrás! Eu sou Deus! Sou eu que decido quem morre! E Hoje morro eu!"
Os seus pensamentos obscuros adensavam-se a cada segundo. Estava descontrolado, a fervilhar naquela adrenalina que lhe escorria pelas artérias e que em breve estaria espalhada pela estação.
Olhou em frente. Viu um borrão estranho na parede verde. Seria Sangue? Alguém já o teria feito ali? Nem quis pensar mais no assunto. Ele seria o homem do momento, mais ninguém.
Uma campainha por cima da sua cabeça apitou.
-Senhores utentes. Devido a problemas técnicos, o metro chegará 10 minutos atrasado.
A adrenalina subiu. Apeteceu-lhe atirar-se de imediato para a linha.
- Calma! Acalma-te. Não estragues o espectáculo!- começou então a dizer na sua cabeça alguma palavras que queria dizer NO momento. Vieram-lhe à cabeça palavras todas desorganizadas. Não as conseguia organizar. Decidiu então que a sua morte seria silenciosa. Que melhor banda sonora que o seu cérebro a rebentar para fora do crânio?
*
- Estamos a perdê-lo!
- Mais sangue- gritou António. Mas já era tarde. Naquele dia, António percebeu que não era Deus. Era um simples mortal que não fazia milagres. A vida daquele doente esvaziava-se com o sangue que escorria pela sua garganta aberta.
A banda sonora mudou e em vez daquele Tic tão rápido e incessante, ouviu-se um longo Pi... marcando o fim de uma existência.
*
- Vem ai!- uma nova campainha dizia que estava a chegar o metro. O seu coração começou a bater mais forte, como se quisesse rebentar o peito e vir cá para fora. Sorriu. Também haveria de ser uma morte engraçada. O metro estava a aproximar-se! Ó que felicidade! Recuou uns passos para dar balanço e começou a correr. O metro já se via! Ia chocar mesmo contra o seu corpo inerte!
"Adeus vida estúpida e cruel. Eu sou Deus! Eu vou morrer Hoje!"- e desatou a correr.
- OLÁ ANTÓNIO! Como vai isso?- uma mão o agarrara mesmo perto da plataforma.
- Domingos.... que bom... já não nos víamos há anos! -disse com vontade de o atirar para a linha. O metro já havia parado. E os seus espectadores fugiam para dentro dele. O espectáculo estava perdido, naquela estação. Tentaria noutra, assim que conseguisse. Caminhou para o metro, com o seu colega Domingos Almodis atrás.
- Pois é! Então como vai os ouvidos e as gargantas das pessoas? - disse troçando.
- Vão bem? E as borbulhas e as celulites das pessoas? - ripostou. - sais em que estação?
- Avenida.
- ÓPTIMO! Eu saiu na Baixa!