Doutor, doutor! Veja-me...Irra mulher, já lhe disse que...tem uma chamada...queria marcar consulta...estou deprimido...tem consulta no dia...Isso, faça força...
Todo aquele zumbido do hospital, confundia-se com os meus pensamentos, que giravam freneticamente na minha cabeça, ainda azamboada. Finalmente dar-me-iam alta do hospital. Quatro dias tinha eu estado lá, um nos cuidados intensivos. Os restantes num quarto minúsculo, deitado sobre mim numa cama ao lado de um doente com 70 anos, que todos os dias tinha uma paragem cardíaca.
- Como te sentes?- tinha sido a Pipa que me tinha vindo buscar ao hospital. A minha família estava desinteressada de mim. Tinham-me visitado todos os dias, é certo... mas sempre que podiam, confiavam naquela rapariga para tratar de mim.
- Sinto-me...não sinto nada...
- O quê?! Não sentes as pernas é?- Pipa entrou em pânico.
-Não.. não sinto dores, nem tristeza, nem alegria... nada. - disse sereno. O meu rabo estava mais do que dormente, é certo, de todos aqueles dias na mesma posição. Não me podia mexer muito, por causa das costuras que tinha no abdómen.
- Parvo! Assustaste-me!
Saímos então dali. Uma senhora morria nesse preciso momento, ao lado de uma sala de emergência, de onde um choro de novidade se fazia ouvir. Ali estava... o começo feliz, um trágico fim...Ali estava a minha vida...
- Parece que já nasceu o bebé.
- Conheces a mãe?
- Era uma senhora que estava ali nas urgências. Deve ter logo entrado em trabalho de parto, para ter a criança aqui nas urgências.
Não quis saber mais daquilo. Saímos dali, enquanto eu pensava para mim, quão bom seria se pudesse começar de novo...despedi-me da criança... desejando-lhe boa sorte.
*
- Sofia... agora não!- Bernardo tirava a mão da filha do advogado de dentro das calças. Já tinham tido alguns casos antes...não era novidade nenhuma de que o Bernardo não se conseguia manter fiel. Namorava, há 15 dias apenas. Tinha uma namorada que o idolatrava, uma vida boa, e finalmente aquele rapaz com que se tinha divertido, aquele a quem tinha feito aquilo... tinha desaparecido da sua vida. Desejava que fosse agora para sempre.
- Oh.. vá lá... não queres porquê?
- Eu sou comprometido!
- Ahahahahaha.
- Que é?
- Deixa lá... eu desculpo-te a hipocrisia!- tirava finalmente a mão das calças. Estavam num apartamento na zona da estrela em Lisboa. Dali, viam parte da fachada da assembleia da república. Era ali que vivia Bernardo.
- Por quanto tempo vai durar essa relação?
- Com a Joana?
- Sim, com a Joana! Por quê? Há mais alguém?
- Não não, esquece.
Tanta tinha sido a farsa, que por vezes se esquecia do que me tinha feito. Às vezes esquecia-se de que já não precisava de encarnar aquela personagem. O bobo, já tinha caído.
- Bom, tenho de ir. Dá cá um beijo, já que hoje não há queca!
- Tento na língua! - Riram-se os dois com o trocadilho.
Sofia saiu dali e desceu as escadas. Ali cruzou-se com a Joana. Estranhamente, sentiram-se ambas mal. Tentaram disfarçar, mas foi evidente que nem uma nem outra se suportavam. Mas por quê? Se não se conheciam... Sofia caminhou então para o carro, o seu mazda vermelho, oferecido pelo papá. Entrou e seguiu em direcção à baixa pombalina. Aí, caminhou para o café onde se senta o Fernando Pessoa, e bebeu o seu café descansada, trocando olhares com desconhecidos, tentando saber qual deles a queria levar para a cama. Por momentos, os seus olhos cruzaram-se com um rapaz... e isso bastou para ter companhia para a noite.
*
Joana saiu do café, e entrou dentro do seu carro. Trazia o seu top mais revelador e a sua saia mais curta, a saia que lhe tinha oferecido a sua amiga Mariana, no dia dos seus anos. Trazia-se bonita porque naquele dia era o dia da sua folga. Podia finalmente passar mais do que uns breves momentos com o Bernardo. Saiu então da baixa, onde tinha estacionado o carro e acelerou, em direcção à 24 de Julho. Foi então que um carro bateu. Foi só um choque de nada, mas tinha sido o suficiente para criar alvoroço.
- OH que merda! Tenho de parar por causa disto!
Saiu do carro
- Boa tarde. Sou a tenente Joana Silva. Resolvem ambos a bem ou é necessário a intervenção da polícia.
- A culpa é dele - era Pedro. Estava com os olhos postos na estrada e por isso nem reparou no maluco que vinha atrás dele a abrir!
- Sim, eu vi. Posso ser testemunha.
- Não será necessário. Eu responsabilizo-me - disse o homem.
Joana caminhou para o carro e falou para a esquadra
- Patrícia temos um X45002 na 24 de Julho
- Afirmativo. Vou mandar a polícia de trânsito.
- Obrigado.
*
- Vocês tem alguma coisa no carro?
- Não, só uns riscos. Facilmente resolvemos isto.
- Desculpe lá! É que a minha mulher está a ter a criança agora. Ainda por cima nas urgências
- Ah, os meus parabéns!
- Obrigado. Desculpe lá a maçada!
A tenente Joana voltou para junto do acidente.
- Já chamei a polícia de trânsito. Vou confiar em vocês para resolverem as coisas. Aqui tem o número da esquadra, caso seja preciso.
*
- Obrigado. - Também Pedro estava com pressa. Tinha muito trabalhinho para fazer.
- Uma boa tarde! - Joana entrou no carro e apressou-se a chegar a Santos. Aí, subiu até à Estrela, para ir ter com o seu príncipe encantado. Estacionou atrás de um mazda Vermelho e pensou que ricas vidas tinham os outros. Subiu as escadas... e por cinco minutos, não apanhou Sofia com a mão nas calças do seu grandioso príncipe.
*
- Boa tarde Vizinho.
- Boa tarde. Como está? - nunca antes nos tínhamos falado, mas naquele dia, em que voltava do hospital, estranhamente sentimos a necessidade de comunicar. O seu nome era Vanessa Bastos. Era psicóloga clínica e trabalhava numa esquadra qualquer, prestando apoio aos polícias.
Eu? Eu era um rapaz estranho, fechado no meu mundo, em parte por culpa do mundo, em parte por sua culpa. Trazia no abdómen a cicatriz da minha tentativa de suicídio.
- Se quiser eu posso ajuda-lo. Não me importo de lhe dar sessões terapêuticas aqui em casa. Que me diz?
- Claro que ele quer! Não é Carlos? - a mão de Pipa a beliscou-me as costas.
- Sim... porque não...- não muito entusiasta aceitei. Ficaria para breve a sessão.
Entrei em minha casa e despedi-me da Filipa. A minha gata, Pandora, estava ali. Deitada e sentou-se no meu colo ronronando. Pus ópera a tocar...
e chorei....