terça-feira, outubro 30, 2007

Bárbara (perdidos II)

Quando pedira a Vera para saírem naquela noite, João nunca pensou que ela dissesse que sim ao fim de alguns minutos. João também nunca penou ver Vera tão bêbeda como na noite anterior. E tinha pensado ainda menos que na seguinte manhã estaria numa farmácia (ponto turístico a não esquecer) a tentar explicar a uma velha espanhola excessivamente pintada e teimosa que precisava de qualquer coisa que fizesse a Vera melhorar. A própria Vera já tentara explicar, mas ainda estava possuida por uma eloquente ressaca.

Por fim, a farmaceutica acabou por entender o João e dizer-lhe que não lhe venderia nada sem uma receita médica.
-O QUÊ???
João ainda tentou evitar que Vera gritasse, mas naquela manhã toda a sanidade mental da sua amiga parecia ter sido dissolvida pelo alcool.
- Bárbara!!! - gritou a velha farceutica, que desapareceu para dentro das prateleiras de medicamentos.

Bárbara era uma rapariga que devia ter a mesma idade de João. Usava o cabelo curto e pelo menos dez brincos nas orelhas. Mas João sentiu-se grato pelo seu doce sorriso que contrariava toda a produção excêntrica dela.
- Toma. - segredou ela, passando uma caixa de comprimidas a Vera - Vais sentir-te melhor, comigo resulta sempre...só não digas nada senão...

Foi tarde demais. A velha farmaceutica (que afinal era uma tia da Bárbara) acabou por mandá-la para a rua por mau comportamento repetido. Bárbara tinha sido despedida pela terceira vez naquele mês, mas o seu gesto acabara de lhe valer dois novos amigos. E isso era para ela o mais importante.

quarta-feira, outubro 24, 2007

....achados I



(Play)


- Estação terminal. Devem sair todos os passageiros, das carruagens. - berrou o responsável pela estação, mal a locomotiva parou.
- Bom, vamos lá a isso!- Sofia estava sozinha, com pouco dinheiro, mas nem por isso estava menos entusiasmada. Que interessava o facto da Vera estar chateada? Não era irremediável. Se a Vera soubesse que ela era o 4º dos 6 casos que Tomás tinha tido, desde que tinham começado a namorar (um deles ao 2º mês de namoro), facilmente esquecer-se-ia daquele seu pequeno percalço. Nada lhe importava naquele momento. Durante as horas que se seguiram à pequena querela, Sofia comeu dois gajos, um no bar e outro na casa-de-banho, onde efectivamente houve sexo e tudo, para desprazer de um senhor gordo e atarracado que estava desesperadamente à procura de um local para aliviar o seu esfincter anal.
- Primeiro passo fora do comboio!- exclamou, e sorrindo olhou à volta. Ao fundo, Vera saía de outra carruagem. Atrás dela, o seu cãozinho de estimação! - Que patéticos.
Disse ela com olhar de desdém. João apercebeu-se da sua presença e cuspiu o mesmo olhar na sua direcção.
- Hás-de ficar sem dar uma durante anos!- exclamou ela, rindo-se da sua piada.- ai ai... eu mato-me a rir! Bom, toca de ir para a plataforma.
- AHHHHHHHH!- alguém berrava feito histérico de uma carruagem ali perto.- ahhhh! Espanhóis, que me gusta! Ai papito. Quieres provar?
A bicheza do comboio acenava-se e abanava-se com as suas plumas, tentando engatar os homens que passavam na plataforma.
- Ainda estás em Portugal. Aqui não há paneleiros!- alguém rudemente respondeu.
- Olha filho. Pelo tempo que demoraste dentro da casa-de-banho com a outra, nem queria experimentar. 15 minutos é o tempo que eu preciso para os preliminares.
Sofia olhava aquela estranha criatura, rindo-se. "Porque é que o João não é assim? Ao menos tinha mais piada!"- pensou.
Subitamente, a criatura olhou para ela. Descendo feito bailarina, correu para ela.
- OIiiii amigaaa!
- ah... oi?
- Eu sou o Felipe! Com E! é mais fashion.
- Sofia, prazer... - mas a bicheza nem olhava. O seu tempo de comunicação era enorme e por isso, precisava de falar falar falar! E é claro, como qualquer bom exemplar de um estereotipo, também o seu espaço de comunicação era aumentado, pelo seu bracejar e pelos seus movimentos ondulatórios.
- Podes-me chamar como os meus amigos! Pi!
- Ok...
- Espera... esses já não me falam... Olha pode ser, Pipe.
- Ok...- Sofia estava abismada e maravilhada
- Pronto. Olha chama-me aquilo que me chamam os senhores a que me pagam favores. Pipi!
E desenfreou-se num riso histérico e intercortado.
- E se eu te chamar bicheza mesmo?- Sofia estava a começar a acordar para a realidade. Não ia conseguir aguentar muito tempo de toda aquela exuberância.
- Pode ser Amiiiiiga! Por ti tudo!
- Estás sozinho?
- Estava com aqueles que estão a sair do comboio. Os que me chamavam Pi. Adeus migosss!
- Vai-te foder!- berrou um irritado.
- Ok.. fazemos assim. Eu estou sozinha também. Parece que também estás no interrail, por isso, queres companhia?
- Espera...- disse pondo cuidadosamente a mão na testa. - És daquelas que gosta de papar muitos gajos?
- Claro!
-Então bora! Já sabes, aqueles que beberem muito, depois de os despachares, podes passar aqui ao Je!
E assim se formou uma amizade, ou algo semelhante e difícil de classificar. A bicheza e a Pega, que iriam descobrir, que o mundo tem muito mais do que homens giros e cheios de desejo sexual.
O Comboio para Madrid partiria dali a duas horas. Um comboio que Sofia não sabia se iria partilhar com Vera e João.

segunda-feira, outubro 22, 2007

Perdidos e Achados III

Vera tinha decidido que não ia gostar de Espanha. Talvez porque estava longe de casa ou talvez porque estava demasiado perto de casa. Não fazia ideia. Mas todas aquelas ruas sobrepovoadas de gente euforica pareciam ter o único objectivo de a fazer sentir-se pior.
Nunca se sentira tão grata à vida como o momento em que aterrou na cama ainda nem o sol se pusera e começou finalmente a chorar. Não estava meramente a lacrimejar e a escondê-lo como fizera o dia todo. Neste pequeno compartimento de privacidade podia até cuspir os pulmões que ninguém se ia importar. E era isso mesmo que pretendia fazer.
João irrompeu pela porta pouco segundos depois. Não sabia o que fazer. Sabia talvez o que devia fazer, mas não que isso o ajudasse a concretizar realmente qualquer acção. Disse provavelmente a coisa mais parva que podia ter dito:
- Vem, precisas de sair!
Vera olhou para ele como se toda a sua raiva se focalizasse num momento na criatura magra e sorridente ao seu lado, que neste momento estava longe de se assemelhar ao seu melhor amigo. Mas antes que explodisse de raiva, um último suspiro da razão acudiu com a frase:
- Deixa-me chorar João...
- Mas...
- Por favor...
E o silêncio de João era exactamente tudo o que ele devia fazer.

segunda-feira, outubro 15, 2007

Perdidos e achados (separação)


Play

João olhou de novo para o relógio... Tinha visto cerca de vinte vezes, as horas, na última hora de viagem. Estavam algures no meio de Portugal, não muito longe do seu primeiro destino: Vilar Formoso.
- Que seca!
- Já começas assim Johny? Sabes que vais ter destas "secas" durante um mês!- disse Vera. Também ela estava morta de aborrecimento, contudo, para que não tivesse de ouvir Sofia, tapava a sua fronte com um contentamento mal disfarçado.
- Lá fora e diferente.... lá fora à gente nova e vamos passear, ver coisas e pessoas. Aqui não! Só se vêem aqueles dois velhotes e gordos no final da carruagem...
- Nós ouvimos isso!
- ... aquele rapaz ali ao fundo que ainda por cima não e nada giro e que esteve toda a viagem a dormir. E aquela bicheza que está farta de entrar e sair da nossa carruagem, à espera que eu o siga.
- E por que não o fazes? Ficavam bem um para o outro!- gozou Sofia.
- Ao contrário de ti, eu sou bastante selectivo quanto à pessoas com quem me dou.
- É por isso que nunca deste uma...- disse com um sorriso cruel.
- Não. Não dei uma... porque não tenho um problema anatómico, como tu, que me impede de fechar as pernas!
Vera riu-se irritando Sofia. Sofia sempre se sentira em segundo plano. Sempre sentira que João era realmente o único amigo de Vera. Sentia-se ciumenta e com vontade de o magoar. E conseguia, na maioria das vezes, com comentários cruéis, sempre relativos à sua opção sexual ou ao facto de estar sozinho há mais de 5 anos.
- Obrigadinho sim...
- Que é Sofia? Teve piada!
- Imensa...
- Olha, esquece. Eu vou ali é ao bar, que preciso de comer qualquer coisa. Alguém quer alguma coisa para comer?
- Neps. - responderam em uníssono.
- Ok. ' já. - disse a Vera.
A sua carruagem estava do outro lado do comboio, pelo que teve de atravessar várias carruagens para chegar ao bar. Aí viu imensa gente da sua idade. Pessoas que como eles iam de mala às costas, uns fugindo, outros buscando sentimentos e sentidos para a vida e outros simplesmente porque não queriam morrer sem ver aquele velho continente cheio de riquezas, envolto em mistérios, e a transbordar de culturas, tão díspares mas por vezes tão convergentes, principalmente, no que nelas havia de mal.
- Boa tarde. O que vai desejar?
- Boa tarde. Queria um pacote de batatas frias e uma dessas sandes.
- As de carne com ovo,as mistas ou a vegetariana?
Vera olhou para todas elas e só a mista lhe agradou. As outras pareciam já retardadas.
Enquanto comia, decidiu telefonar ao seu namorado.
- Hello linda!
- Oi amor. Então como estás?
- Estou cheio de saudades tuas!
- Também eu.
- Estás ao pé deles?
- Não, estou no bar.
- Então manda-lhes cumprimentos depois.
E assim envolveram-se naquele conjunto de babuzeiras que os namorados dizem. Passada meia-hora, iniciou-se o ritual da despedida.
- Desliga tu...
- Não desliga tu!
- Vá. Desligo eu, mas só se me disseres o que vais fazer a seguir!
- Agora tenho de ir à casa-de-banho.
- Ok... poupa-me os pormenores...
- Mas depois vou telefonar à outra!- disse Tomás rindo-se
- Atreve-te! Nunca mais vais À casa-de-banho na tua vida!- respondeu Vera gozando
- Olha, dava jeito!
Riram-se e por fim lá desligou a Vera.
- Bom, vamos lá ver se aqueles os dois ainda não se mataram!

*

Caminhando pelas carruagens, chegou minutos depois, à sua carruagem. João dormia profundamente. Sofia olhava distraidamente para a paisagem. Foi então que o telefone de Sofia tocou. Subitamente, Vera sentiu o coração a saltar do peito.
" Estás a ser doida! Achas mesmo que o Tomás estava a falar a sério quanto à outra?". Abanou a cabeça, mas pela via das dúvidas, escondeu-se para ouvir.
- Estou bonzão!
- Então gaja boa! Como estás?
- Com vontade que estivesses aqui para tirar este calor do corpo.
As pupilas de Vera dilataram. "Pára! é coincidência!" - dizia para si.
- Também eu, mas já sabes como é...
A conversa foi breve e nem se poderia estender muito. O João estava ali mesmo ao lado a dormir, mas mesmo dormindo, representava uma perigo. A Vera estaria ali não tardaria nada.
- Vá Tomás. Beijos
- Beijos grossa!
E desligou. Vera estava paralisada, escondida de joelhos ,atrás de um separador do comboio. Tremia por todo o lado. Não sabia se de raiva, se de desapontamento, se de nervosismo ou tristeza. Tremia simplesmente e não tinha qualquer controlo sobre esses tremores.
"Tens de fazer qualquer coisa Vera!" - pensava. Mas não se conseguia mexer.
" Vá lá!"- mas nada. Até que ouviu o som de uma voz reconfortante.
- Já chegámos?- perguntou João numa voz ensonada. Com João ali ao pé, acordado, conseguiria enfrentar Sofia.
Vera levantou-se e caminhou para eles.
- Então, já comeste?- perguntou Sofia.
- Já. Estão lá imensos rapazes no bar.
- Já lá vou!
- Algum possível candidato para mim?- perguntou João esperançoso.
- Não me pareceu... sorry...
- Bah!
- Ah Sofia! E verdade.. Podes-me emprestar o teu telemóvel? é que preciso de ligar para uma pessoa que é vodafone.
- Claro. Toma.- Sofia deu-lhe o telemóvel sem pensar.
Rapidamente, Vera manipulou o teclado para chegar às chamadas atendidas. Todas as suas dúvidas dissiparam-se. Sofia estava a ter um caso com o seu namorado. A prova disso estava gravada naqueles 9 dígitos que lhe eram tão familiares.
- Sai daqui sua cabra! - falou firmemente Vera. João ficou boquiaberto.
- Vera?
- Que é que se passa contigo? Apanhaste Tourette ou o quê?- perguntou ultrajada.
- Tu andas a comer o meu namorado! Sai-me já da frente!
- Não a sério! O que é que andaste a beber ou a snifar no bar?
- Nada! Os meus sentidos estão óptimos! Ouvi toda a conversa que tivestes com o meu namorado e vi o seu número no teu telefone. Agora sai daqui! Não quero nunca mais olhar para essa tua cara de ... de...
- Pega?- completou João divertido.
- Isso! Cara de Pega.
Por esta altura, Vera já gritava e toda a carruagem estava a olhara para elas.
- Ok... Como queiras. Sim dormi com o teu namorado! Ele não conseguia mais aguentar não fazer tanto sexo como queria. Não tenho culpa de ter umas mamas grandes e de ele gostar delas. E não tenho culpa de seres uma freirazinha púdica.
João levantou-se e agarrou Vera.
- Sofia se queres ficar com a tua cara como estás, sugiro-te que saias imediatamente daqui!
- Não tenho medo dela!
- Não é dela que tens de ter medo, mas de mim. EU parto-te a cara em dois segundos!
Sofia sentiu-se incomodada. Uma coisa era ofender e ser ofendido. Naquele momento, estavam-lhe a oferecer porrada e louco como o João era, era bem capaz de a receber!
- Pronto. Fiquem lá vocês os dois. Os amiguinhos! Os falhados!- Vou procurar um grupo mais divertido e que não seja menininho como vocês.- disse Sofia com desdém. Quase saindo da carruagem, Sofia olhou para trás e berrou - Ah! Já agora Vera. O teu namorado manda-te beijinhos. AHAHAHAHAH
João agarrou com mais força a Vera.
Passaram-se uns minutos em que conversaram e Vera soltou a sua raiva. Do nada, desatou a chorar, feito Maria Madalena e João abraçou-a.
A sua viagem tinha começado mal...

quarta-feira, outubro 10, 2007

Não me sinto minimamente feliz.
Nem devia.
O que me segura hoje à vida é um frágil fio.
Um fio que não chega para tecer novas teias de destinos ou desejos.
As poucas presas que nela caíram já há muito não me alimentam.
Mas quem sabe se este frágil fio não é infinito...
E posso permanecer nele pendurada para sempre.
Infinitamente!

domingo, outubro 07, 2007

Perdidos e Achados (a partida)

Nota: Todos estes posts serão musicados. O link está no início, só ponham play quando indicado.


- Deu entrada na linha 3 o comboio com destino a Vilar Formoso, com partida prevista para as 10:30.
João estava já à quinze minutos naquela plataforma, esperando pelas duas amigas (ou melhor, pela sua melhor amiga Vera e a emplastra da Sofia). Nesse tempo, já tinha visto e revisto todas as caras de todas as pessoas, que esperavam ali, encarecidamente, por aquele pedaço mecânico de engenharia antiquada a que chamavam de comboio.
- Onde é que se meteram... faltam 10 minutos para partirmos!!!
João olhou de novo para a pequena comunidade que ali se formara e que desfazer-se-ia em segundos, mal o comboio apitasse para seguir o seu caminho rumo a norte. Já tinha feito olhos, sem sucesso, a 3 rapazes que ali estavam. Já tinha falado com a mesma rapariga loira da Ucrânia, 5 vezes, respondendo-lhe sempre por gestos que "A SUA PLATAFORMA É A 4! É AQUELA!". Mas ela parecia não compreender.
Aliás, parecia que ninguém ali o compreendia. Nem mesmo ele? Por que estava ele ali parado fazia meia hora, vendo comboios a irem e a virem, sem entrar em nenhum... a verdade é que João não queria perder por nada deste mundo, aquele tão ansiado inter-rail. Queria ver a Europa, queria ver os europeus... e mais que tudo, queria sair dali. Fugir daquele pedaço tacanho de terra, onde as pessoas eram feitas em grandes massas. Queria ir a sítios onde a vida dele pudesse ser livre.
Ao fundo da plataforma duas desvairadas surgiam a correr.
- Despacha-te Vera. - gritava a rapariga à frente, deixando esvoaçar o seu cabelo ruivo, para trás. Era Sofia... uma rapariga cheia de vida e com um cardápio extensíssimo no que tocava a rapazes. Dois dos ex-namorados de Vera, tinham dormido com ela. O actual também era cliente habitual. E tinha dormido ainda com um ex do João, um sujeito bi-curious, que afinal de contas era um mulherendo de primeira, muiiiiiiiitooo confuso.
- Despachem-se as duas! Faltam 3 minutos! - gritou João
- Vá Vera! - disse Sofia. - Que a tua amiguinha está a ficar irritada!
- Estou... mesmooo.... mesmo atrás... de ti....- Vera, a verdadeira. Assim tinha sido chamada pela sua mãe. Nunca tinha sido boa a educação física, e por conseguinte, naquele momento desejava não ter de correr. Tal era o grau de exaustão que os seus belos cabelos castanhos ondulados, enchiam a sua boca, prejudicando a sua respiração.
Finalmente, com todo aquele esforço, lá entraram no comboio, na carruagem B23, despedindo-se de Lisboa e dos seus males.
- Vai partir o comboio com destino a Vilar Formoso, na linha 3. Por favor, afastem-se das portas.
O comboio partiu finalmente.
João tentou pela quarta vez fazer olhos ao rapaz da plataforma.
- BOA! Agora é que tu me respondes!!!- gritou enervado


*
PLAY
*
- Então meninas. Entusiasmadas?
- Sim! Muito!- Vera e João pareciam uns miúdos.
- Tenham calma bichezas... é só uma viagem.
- Por que é que tens de ser sempre a mesma besta Sofia?
- Por que é que tens de ser tão gay?
- CHEGA!- gritou Vera. - Não estou para vos ouvir o inter-rail todo. Se não se calam, saiu desta carruagem e só me vêem quando chegarmos a Vilar formoso!
- Ela é que começou!
- Que putos! Isso não interessa João. Vamo-nos divertir e acabou.
Aqueles os dois desde sempre se tinham dado mal, desde o começo das aulas do 1º ano. Em compensação, Vera, desde esse dia sempre se tinha dado muito bem com eles. João era o seu melhor amigo, o seu confidente, o seu porto seguro e com quem chorava quando as coisas corriam mal. Sofia era o oposto. A sua loucura, o seu devaneio, a sua vontade de libertação e de contornar todas as regras impostas pelo seu grande amigo João. E ela? Ela era equilíbrio. Era tanto de desvairada, como de sério. Era acima de tudo pragmática, sabia o que usar, quando usar, sempre em prol dos outros e muito raramente em prol de si própria. Era uma pessoa feliz. Namorava com Tomás já há 4 anos. A noite mais difícil da sua vida, tinha sido ontem, quando tivera de se despedir do seu namorado, que não veria pelo período de um mês. Mas valia a pena! Realizaria o seu sonho, de ver a Europa, viajar, conhecer o mundo e dar-se a conhecer também.
- Bom, eu vou ao bar. Alguém quer alguma coisa? - perguntou Sofia.
Ninguém queria.
Sofia... a que ama. Sofia era sem dúvida a rebelde, daquele grupo. Aos quinze anos tinha perdido a virgindade e até hoje gozava com João por ainda ser virgem, aos 20 anos de idade e com Vera, por ter esperado até aos 2 anos de namoro. Tudo para ela tinha que ser liberal. Era um pássaro rebelde, uma eterna romântica e boémia, que não se prendia e muito menos prendia alguém. Precisava de sentir aquela adrenalina da aventura. Aquele gosto de vida... E por isso ali estava, com o objectivo de comer o maior número de gajos possível. Se conseguisse, até entraria para o Guiness.
E assim partiram eles... Vera, João e Sofia, cada um com objectivos diferentes, cada um com necessidades diferentes também. Mas todos eles, com fé de que a sua vida estava prestes a mudar...
Mal sabiam eles...

quinta-feira, outubro 04, 2007

Uma questão de sorte (.... coroa)

Eduardo Maria Magalhães da Fonseca Martins Sousa Salema Samora, era um homem abastado não só em nomes como em riquezas. Toda a sua vida tinha vivido em luxo, luxo esse conseguido pelo seu pobre pai que trabalhara muito para recuperar a empresa do seu pai, que ameaçava falir.
Vivera a sua vida toda cheio de vitalidade, sem doenças; rodeado de mulheres bonitas que o adoravam, não só pelo seu dinheiro e posição, mas também por ser uma pessoa extremamente bonita. No interior, era uma besta quadrada. Tratava os seus empregado abaixo de cão; Fixara um valor irrisório como ordenado máximo de um trabalhador, fosse qual fosse a sua posição na empresa. Basicamente, o máximo que poderiam ganhar eram 600 euros por mês. Ele ganhava 2000 por mês e argumentava que, como um professor universitário, para ganharem tanto ou quase tanto como ele, tinham de ter a sua posição e o seu conhecimento. Mas isso era impossível. Nunca alcançariam a sua posição (ganha sem qualquer esforço) nem o seu nível de conhecimento... Afinal, como podiam eles ser tão inteligentes como ele? Ele só não tinha acabado se quer o 11º ano... e só ele conseguira chumbar a 5 das 6 cadeiras que tinha nesse ano (tinha passado a educação física, porque comera a professora)...
Aquela era a sua feliz vida, e estranhamente, viveria assim o resto da vida, mal saberia ele...
Não era por obra de Deus, que Eduardo não acreditava nele... "era mais fácil acreditar no demónio".
Tudo o que conseguira na vida era tornar-se naquele ser insignificante aos deuses... não os aborrecia, mas também não os entretinha...
Era simplesmente aquela barata, aquele parasita... e como tal, conseguira viver à custa do trabalho dos outros, desviando-se das adversidades da vida...
- Então diga-me Dr. Eduardo. (Dr fica sempre bem), qual é a chave do seu sucesso?- perguntou a entrevistadora do jornal da noite.
A barata sorriu e com toda a sua pompa e soberba, respondeu:

"Sabe... acho que tudo é uma questão de sorte..."