Contagem regressiva para o fim da alma - 20º dia
Estava sentado já naquele sofá verde, da psicóloga que vivia no meu prédio. No dia anterior tinha ido tirar os pontos do meu pequeno...incidente. Vivia ainda num estado de demência...um estado de anestesia em que nada sentia. Nem necessidade de amor, nem amor pelo Bernardo... sem saudade, nem raiva, nem angústia. Estava somente sem sentir. Não tinha qualquer emoção.
- Não, obrigado. Estou bem assim.
- Pronto. Então diga-me lá Carlos, como se sente hoje?
Olhei-a de frente sem qualquer vontade de responder. A psicóloga Vanessa vivia no meu prédio p'ra aí há uns 2 anos. Nunca antes tinhamos falado. Nunca antes se quer nos tínhamos cumprimentado. Mas tudo isto tinha mudado, há 3 dias, Quando eu, cabaleante, sai do hospital acompanhado pela Filipa. Por sorte ou azar, encontramo-la nas escadas, mesmo à minha porta. Pelos vistos tinha recebido o meu correio. Começámos a falar e veio à baila o meu incidente.
- Se quiser, posso-lhe dar umas consultas de Psicologia.
Nem tive tempo de recusar.. a Pipa respondeu por mim.
*
- Carlos?
- Desculpe. Estava meio a dormir. Bom...não sinto nada. - e desenvolvemos a nossa conversa, sempre buscando no meu passado, o motivo traumático da minha tentativa de ... acabar com os problemas. É claro que eu já sabia o por quê de tudo: Todos os dias entrava na minha casa sozinho, com a minha gata a bocejar, abanando o seu rabo ao me ver. Queria alegria. Queria a Alegria que tinha antes...
Não queria mais suspirar de solidão.
*
- Ah... - Mariana suspirou. Estava quase duas horas fechada no escritório do doutor, à espera dele. Apetecia-lhe um pouco de carinho. - Então, men? Está aqui a moça a precisar de um homem e não vens?
Nesse momento entrou o Doutor na sala.
- Mariana. Precisava que aviasse umas cartas e umas contas.
- Claro...mas não quer um pouco de divertimento? - disse ela, atiradiça.
- Pai. Onde queres por isto?
Atás do advogado, um rapaz belíssimo entrou na sala. O seu nome era Pedro. Era já médico, e de momento trabalhava na morgue, a fazer a especialidade. Era filho do advogado, um filho que Mariana nunca tivera a oportunidade de conhecer.
"WOW!!!" - pensou.
Queria naquele momento espetar-lhe um beijo na boca. Queria um abraço seu.
"Acalma-te Mariana! Estás com a pita aos saltos!!!"
- Boa tarde, Doutor! - atrás de Pedro, duas raparigas vinham a conversar.
Uma das raparigas era a filha do doutor. Chamava-se Sofia. Essa conhecia. Era a pega da filha do patrão que dormia com todos e que estava cheia de borbulhas no canto da boca.
"Herpes...não admira!!!" - pensou Mariana. Mas logo apagou a imagem infernal da sua mente.
- Ah! Boa Tarde minha querida. Como estás? - o advogado dirigia-se a Filipa. Mariana percebeu logo de quem se tratava. Trazia uma caixa na mão, tal como o seu atlético namorado. Era bonita. Tinha uma pele clara como a sua; uns cabelos longos como os seus; uns olhos castanhos como os seus. Na verdade, pensou Mariana, eram até relativamente parecidas. "Então porque é que ele está com ela e não comigo?!" . Recordou-se então das palavras da sua amiga Joana. Algures no tempo, ela lhe tinha dito, enquanto chorava por uma rapaz do seu passado, que não tinha conseguido engatar: "As vezes é só porque outra chegou primeiro!". Era verdade. As vezes perdemos as nossas vezes, porque nos lembramos de ficar em casa em vez de sairmos.
- Esta é a minha secretária, Mariana. Mariana, este é o meu filho Pedro e a namorada, Filipa. Penso que já conhece a minha filha.- disse disfarçando.
- Ah...boa tarde - só agora se apercebia do que tinha dito. Teriam eles ouvido? Que vergonha! Tinha de sair dali - Bom, o dever chama-me. Tenho de ir tratar das cartas. Com licença.
A porta fechou-se atrás de si, enquanto Pedro perguntava ao pai onde queria ele aquela tralha.
- Ora então. Contas, contas... e cartas. - disse ela enquanto colocava tudo dentro do envelope correspondente e colocava os nomes e moradas dos remetentes, quer na carta quer numa folha para arquivo (parte da política da empresa.). E assim se entreteve, suspirando pela sua solidão, pela sua carência e por existir mais um exemplar do sexo masculino, fora dos seus limites...