domingo, março 25, 2007

Contagem regressiva para o fim da alma - 20º dia

- Sente-se Carlos. Vou só buscar um copo de água para mim. Também quer?
Estava sentado já naquele sofá verde, da psicóloga que vivia no meu prédio. No dia anterior tinha ido tirar os pontos do meu pequeno...incidente. Vivia ainda num estado de demência...um estado de anestesia em que nada sentia. Nem necessidade de amor, nem amor pelo Bernardo... sem saudade, nem raiva, nem angústia. Estava somente sem sentir. Não tinha qualquer emoção.
- Não, obrigado. Estou bem assim.
- Pronto. Então diga-me lá Carlos, como se sente hoje?
Olhei-a de frente sem qualquer vontade de responder. A psicóloga Vanessa vivia no meu prédio p'ra aí há uns 2 anos. Nunca antes tinhamos falado. Nunca antes se quer nos tínhamos cumprimentado. Mas tudo isto tinha mudado, há 3 dias, Quando eu, cabaleante, sai do hospital acompanhado pela Filipa. Por sorte ou azar, encontramo-la nas escadas, mesmo à minha porta. Pelos vistos tinha recebido o meu correio. Começámos a falar e veio à baila o meu incidente.
- Se quiser, posso-lhe dar umas consultas de Psicologia.
Nem tive tempo de recusar.. a Pipa respondeu por mim
.


*


- Carlos?
- Desculpe. Estava meio a dormir. Bom...não sinto nada.
- e desenvolvemos a nossa conversa, sempre buscando no meu passado, o motivo traumático da minha tentativa de ... acabar com os problemas. É claro que eu já sabia o por quê de tudo: Todos os dias entrava na minha casa sozinho, com a minha gata a bocejar, abanando o seu rabo ao me ver. Queria alegria. Queria a Alegria que tinha antes...
Não queria mais suspirar de solidão.


*

- Ah... - Mariana suspirou. Estava quase duas horas fechada no escritório do doutor, à espera dele. Apetecia-lhe um pouco de carinho. - Então, men? Está aqui a moça a precisar de um homem e não vens?
Nesse momento entrou o Doutor na sala.
- Mariana. Precisava que aviasse umas cartas e umas contas.
- Claro...mas não quer um pouco de divertimento?
- disse ela, atiradiça.
- Pai. Onde queres por isto?
Atás do advogado, um rapaz belíssimo entrou na sala. O seu nome era Pedro. Era já médico, e de momento trabalhava na morgue, a fazer a especialidade. Era filho do advogado, um filho que Mariana nunca tivera a oportunidade de conhecer.
"WOW!!!"
- pensou.
Queria naquele momento espetar-lhe um beijo na boca. Queria um abraço seu.
"Acalma-te Mariana! Estás com a pita aos saltos!!!"
- Boa tarde, Doutor!
- atrás de Pedro, duas raparigas vinham a conversar.
Uma das raparigas era a filha do doutor. Chamava-se Sofia. Essa conhecia. Era a pega da filha do patrão que dormia com todos e que estava cheia de borbulhas no canto da boca.
"Herpes...não admira!!!"
- pensou Mariana. Mas logo apagou a imagem infernal da sua mente.
- Ah! Boa Tarde minha querida. Como estás? - o advogado dirigia-se a Filipa. Mariana percebeu logo de quem se tratava. Trazia uma caixa na mão, tal como o seu atlético namorado. Era bonita. Tinha uma pele clara como a sua; uns cabelos longos como os seus; uns olhos castanhos como os seus. Na verdade, pensou Mariana, eram até relativamente parecidas. "Então porque é que ele está com ela e não comigo?!" . Recordou-se então das palavras da sua amiga Joana. Algures no tempo, ela lhe tinha dito, enquanto chorava por uma rapaz do seu passado, que não tinha conseguido engatar: "As vezes é só porque outra chegou primeiro!"
. Era verdade. As vezes perdemos as nossas vezes, porque nos lembramos de ficar em casa em vez de sairmos.
- Esta é a minha secretária, Mariana. Mariana, este é o meu filho Pedro e a namorada, Filipa. Penso que já conhece a minha filha.- disse disfarçando.
- Ah...boa tarde - só agora se apercebia do que tinha dito. Teriam eles ouvido? Que vergonha! Tinha de sair dali
- Bom, o dever chama-me. Tenho de ir tratar das cartas. Com licença.
A porta fechou-se atrás de si, enquanto Pedro perguntava ao pai onde queria ele aquela tralha.
- Ora então. Contas, contas... e cartas. - disse ela enquanto colocava tudo dentro do envelope correspondente e colocava os nomes e moradas dos remetentes, quer na carta quer numa folha para arquivo (parte da política da empresa.). E assim se entreteve, suspirando pela sua solidão, pela sua carência e por existir mais um exemplar do sexo masculino, fora dos seus limites...

quinta-feira, março 22, 2007

Desculpa Lico

Cresci...

Deixei de querer salvar
O mundo para querer salvar-me DO mundo...

Papá, Mamã estou tão igual a vocês! Não estão orgulhosos?



Eu não...

quarta-feira, março 14, 2007

Contagem regressiva para o fim da alma - 21º dia

Dr. Vanessa era psicóloga na GNR do Restelo, fazia naquele dia 4 anos.- Na sua estadia, tinha visto um pouco de tudo, desde um polícia cleptomaníaco (que roubava armas...), até a um polícia que se alvejava sempre que a mulher estava com o período, porque dizia ele: "Já não aguento as mudanças de humor!!!". Nisto, lá pensava mais uma vez a psicóloga, "No que eu me vim meter...acho que são menos malucos no Júlio de Matos! Devia ter ido para o privado!"
Durante esses 4 anos, não tinha conhecido ninguém. Estava farta de fazer o percurso, casa/emprego, e vice-versa, sempre fugindo das investidas daquele tenente Ricardo Santos. Não queria nada com ele...em primeiro lugar porque era casado e em segundo porque não suportava agentes da polícia!

- Vanessa. Vou beber café. Vens?
- Não Joana. 'Brigada. - bom, todos excepto a Joana. Era uma conhecida. Não propriamente uma amiga... só uma pessoa com quem se dava menos mal. Estranhamente...era a única pessoa que nunca lhe havia batido à porta para falar dos seus problemas.
- Olha que vai tudo. Só fica a Patrícia!
- Não deixa estar!
- 'Tá... 'té já!

"Finalmente..." - pensou ela - "um momento de paz".- mas nessa altura. A agente Patrícia bateu-lhe à porta. Era uma loira com um peito que lhe saía quase pela farda. Trazia sempre um batom ordinário, vermelho, e um perfume que gritava "Cabra", em conjunto com as feromonas por ela libertadas.

- Sim?
- Posso...precisava de falar.
Por dentro Vanessa revirou os olhos. Que quereria ela? Vanessa tinha uma explicação muito lógica para grande parte dos casos que lhe apareciam ali: "Todos têm falta de sexo!". Mas esta não teria de certeza.
- Sente-se - sorriu com imenso esforço - Em que posso ajudá-la.
- Dr.ª...eu sou Ninfomaníaca!
Vanessa pensou: "Devia ter ido para o privado..."
*

A tenente Joana da Silva deixou naquele dia a esquadra, com grande parte dos polícias da sua esquadra. No entanto, não iria com eles. De facto, Joana queria era ir ter com o namorado, o perfeito Bernardo, ao Café da esquina. Quando entrou, Carlos estava sentado na sua mesa habitual. Não se conheciam, nem se sentiam como rivais. Joana apenas sentiu que ele lhe tinha roubado o lugar.
- Bolas! - murmurou... pensou até em tirar o distintivo e dizer que a mesa estava confiscada. Mas depois reparou melhor no rapaz. Era trista, sem dúvida. O modo como fitava o livro, quase escondido, dizia que não era muito aberto a grandes conversas.
Olhou então em volta...Não havia nenhuma mesa disponível.
Que merda! Bom, espero ao balcão... - e para o balcão caminhou, deixando cair o seu distintivo.

*

- Desculpe. Deixou cair o seu distintivo. - disse-lhe eu.
- Ah. Obrigado...
- Quer-se sentar?
- Oh, não é preciso, eu espero.
- Não, faça favor. Só estou a acabar o meu café.
- Obrigado.- e Joana sentou-se. Começaram a falar do tempo, das suas profissões. Pelos vistos o hospital do Lumiar, da força aérea, estava a precisar de Terapeutas da Fala. E a conversa continuou...
Quase 10 minutos atrasado, Bernardo entrou a correr pelo café. Nenhum de nós o viu pelo simples facto de que ele se escondeu.

Bernardo... era perfeito, diria a Joana. Eu, diria que era um demónio! Como tinha sido tão cego. Todos nós temos defeitos é certo, mas como não tinha visto os dele? Era mesquinho, abusador... usava as pessoas a seu belo prazer. Tinha-me usado... tinha-me dito que precisava de mim. Que me amava...
- Bom. Obrigado pela conversa, mas tenho de ir andando.
- De nada. Espero vê-lo em breve.

E sai. Mal sabia ela que a quando me visse, não me reconheceria, no meu tom de azul, de tanta água e morto, a boiar nas águas do Tejo
.

segunda-feira, março 12, 2007

TODA A VERDADE SOBRE:

Branca de Neve, conta-nos a sua verdadeira história que espera ser um exemplo de vida para muitas leitoras:

*Branca, é certo que a sua vida profissional se iniciou na casa da Rainha Má...

#Sim, a Rainha Má ensinou-me imensa coisa desde que entrei no seu castelo para varrer as escadas. A primeira coisa que ela me ensinou foi que eu nunca seria ninguém se me vestisse como uma matarruana e me chamasse Felizberta. Ouça, fiquei muito chocada no início, mas depois fez-se-me uma luz e decidi tirar o Felizberta do meu nome, que apesar de ser o nome da minha falecida mãezinha, que Deus a tenha, realmente nã se aplica a uma princesa, n'est pas?

*Então já era princesa na altura?

#Não que disparate, ouça! Era uma doméstica como outra qualquer, mas claro, abençoada pela natureza com esta beleza que está a ver. Bom, o certo é que uma pessoa chamada Branquia das Neves (sem Felizberta 'tá a ver?) não podia continuar a ser uma criadita qualquer! Foi então que decidi ir viver com o Caçador...

*Mas ele tinha ordens para matá-la!

#De todo! Mas o que é que andou a fumar? Bem, lá fui eu com o caçador à procura do meu conto de fadas. O que eu achava mal é que ele andasse todo o dia a caçar bichinhos, porque afinal eles também são coisas de Deus tá a perceber? Mas olhe, um belo dia descubro que afinal o meu Caçador saía era de noite e fazia strip! Afinal ele andava era atrás de bichas, já viu bem? Ai que caturreira imensa! Eu bem me parecia que ele andava sempre com as calças muito justas, mas enfim...

*Foi então que foi viver com os sete anões...

#Exacto, até que enfim acertou uma! Mas esses coitados não conseguiam pronunciar o nome Branquia, sobretudo o Dunga sabe...ainda tenho para mim que ele era um pouco ensandecido...enfim. E eu lá andei a trabalhar para aqueles baixotes todos porque eles passavam o dia a cavar lá num buraco de onde saiam pedras brilhantes. Mas ouça, não tá bem a ver o cheiro daquelas criaturas depois de um dia de escavação! Como já não aguentava mais, pequei num daqueles calhaus que eles traziam e decidi ir às compras. E estava lá uma velhinha super feia, mas olhe, eu sempre tive pena dos pobrezinhos, e lá decidi comprar-lhe uma maçã...

*A famosa maçã envenenada!

#Tá doido? O menino também só me interrompe para dizer parvoíces! O que aconteceu foi que eu me engasguei com um bocado de casca...ouça, não lhe passa pela cabeça o que foi, até já via anjinhos, quando de repente vem um bruto qualquer por trás de mim e me faz a manobra de...bem, aquela coisa que faz as pessoas cuspirem, mas olhe que alivia imenso! Bem, quando me viro para ver que moço era aquele conheci a cara dele, porque ele é uma pessoa que aparece imenso nas revistas. O Principe Encantado, n'est pas?

*E foi amor à primeira vista?

#Foi mesmo. Porque olhe, o rapaz lá a tentar desengasgar-me puxou-me o decote para baixo e deve ter-se apaixonado...e depois casamos não é? Isso já se sabe que foi transmitido em directo. É claro, com a condição de me chamar Branca de Neve (das Neves era um bocado à pobre dizia ele). E olhe, hoje sou horrores de feliz com este nome!

sexta-feira, março 09, 2007

Diário de Romeu, última página

Querida Julieta:

Que estranha esta necessidade que me assalta de te escrever uma última vez, mesmo que esta carta nunca chegue às tuas delicadas mãos. Vês como ainda as acho delicadas? O rancor esfumou-se quando regressei a casa, aos braços de minha mãe em cuidados, aos olhos repreensivos de meu pai. Aqui vivo agora sob uma condição: a de não tornar a errar. Mas pergunto-te eu, Julieta, teremos de facto errado? Teria eu podido escolher não entrar por aquela mesma porta e não beijar esses mesmos lábios que me perderam? Sabes Julieta, ainda que pudesse retroceder, não mudaria estes tão preciosos acontecimentos. Não foi um erro, foi antes uma partida do destino. Ainda agora Julieta sinto o peso tiranico dos laços do meu coração com o teu, e sei que também o sentes no teu. Mas foi um erro Julieta? Merecemos o castigo de Deus e o julgamento dos homens? Eu digo-te que não, e mesmo que esteja enganado, então talvez tenha valido a pena.

Mas sabes querida, sinto-me perdido. Olho todos os dias para aquele homem no meu espelho e pergunto-me se ele será Romeu. Sou um Capuleto, mais agora do que nunca, mas poderei eu ser ainda Romeu com este coração vazio de amor? Coração, disse eu...mas escrevi falso, pois o meu coração foi sepultado na mesma cama onde apunhalas-te o meu amor...e ainda assim, ficou apenas a mágoa daquele rapaz que eu era...

Deixo-vos este adeus, Julieta, na esperança de que ele se torne um até já de amigos eternos, cujo destino é reencontrarem-se. Uma parte de mim ficou contigo, e ainda espero que a uses sempre que preciso...eu estarei aqui...

Um beijo deste vosso escravo
Romeu


http://youtube.com/watch?v=1G0NHmGcY0M

*

Romeu guardou as preciosas páginas deste diário na sua cabeceira, para que nunca esquecesse, penteou os cabelos e saiu, procurando uma outra mulher que o amasse, mas prometendo à sua alma que não amaria de novo...nunca!

terça-feira, março 06, 2007

Última página de Julieta

Querido diário...

Hoje me despedi daquele a quem me entreguei...em primeiro lugar...

Hoje disse adeus ao Romeu e de novo a casa trotei, para os braços apoquentados de minha mãe... para os braços rígidos mas estranhamente carinhosos de meu pai...

Ressentimentos?
Alguns...
Arrependimentos?
Nada... nunca se sabe quem nos pode amar, quem nós podemos amar...
E mesmo este amor... coisa estranha. Nunca será eterno, haverá apenas ao longo dos anos amizade, mais fraca, com talvez mais significado...
E como eu queria...como eu quero essa amizade agora perdida.

Meu pai disse-me logo:
"Já te soltaste desse demónio"... minha mãe "Já aprendeste que os homens não prestam?". Não acredito em nenhum dos dois. Ninguém é um verdadeiro anjo... ninguém é todo demónio. Todos somos únicos, diferentes seja de que sexo formos. Todos somos sós. Gente má, há em todos os lugares, de todos os sexos, de todas as idades. Quando é que não prestamos? Tantos dias quantos vivemos, porque todos os dias fazemos ou dizemos alguma coisa que magoa, mesmo que inocentemente, alguém. Quando prestamos? Tantos dias quantos vivemos... que pelo menos para alguém, durante um segundo, somos o mundo.

Tal como foste o meu Romeu.

Por isso, meu Romeu, sê feliz. Vive rodeado de mulheres, se isto te apraz. Vive magoando outros. Vive fazendo-os felizes por segundos. Que mais vale ser-se feliz por um segundo, amar-se alguém por uma noite. Que nunca se amar ninguém.

Adeus amigo... adeus

sábado, março 03, 2007

Contagem regressiva para o fim da alma - 22º dia

"Bernardo...tens uma cara tão linda... és um ser impressionante...como pode alguém ter assim tanta sorte de conseguir ter um namorado tão perfeito" - a tenente Joana estava há horas sem fazer nada. Naquele dia estava fechada na esquadra até às tantas da noite, esperando que uma alminha perdida lhe viesse pedir a salvação.

- Que seca! - dizia ela, enquanto olhava para a foto do seu namorado. Namoravam fazia 8 meses, tudo era perfeito. Acreditava que aquele ser seria a sua alma gémea, meia laranja... seja o que for. Era perfeito. Tinha o corpo e a cara perfeita. Era amoroso, oferecia-lhe rosas todas as sextas-feiras. E mais do que tudo, confiava veemente nela. Nunca tinha ciúmes e até a encorajava a flertar, só pelo gozo da coisa, com outros rapazes...desde que nunca se esquecesse, de quem realmente a amava.

Mas como podia ela? Ele era perfeito...

- Oi amor...- precisamente nesse momento, Bernardo apareceu com as suas flores de sexta-feira.

*
Mariana arrumava os seus papéis no escritório, quando foi chamada à sala do seu chefe. Estava de mau humor e não lhe apetecia nada aturá-lo
- Chamou Doutor?
- Sim Mariana. Queria saber se já terminou o trabalho.
A pergunta era simples e Mariana o sabia: " Já acabaste para irmos para a cama?". Tinha de se esquivar...
- Não doutor... tenho de levar os processos para casa.
- Que pena... - podia estar muito carente, mas o seu trabalho vinha acima de tudo... pelos vistos teria de dormir com a sua mulher...
- E vou sair mesmo agora. Boa noite. Até amanhã.
O advogado resmungou qualquer coisa e deixou-a partir. Mariana entrou dentro do seu carro e pôs música. Não conhecia muito bem a canção que estava a dar, por isso, ia entoando a melodia enquanto dizia barbaridades em inglês, palavras estranhas que se aproximavam mais do esloveno, do que do inglês. Mas que importava? Quem a julgava?
Saiu do carro, junto à sua casa de Alcabideche. Disse boa noite ao seu vizinho histérico que afastava o gato com um "Xuxu" abichanado e entrou dentro de casa...
O silêncio....
O silêncio que se ouvia...
Nem a sua gata fazia qualquer som.. naquele dia, limitou-se a olhá-la sonolenta e a voltar a deixar-se adormecer...
Mariana abriu a torneira da banheira, despiu-se e entrou na água a ferver, para relaxar...A água foi-se tornando salgada...com as suas lágrimas de solidão...
*
- Oi.
- Ah, oi Diogo, nem te vi.
- Então, como está a princezinha hoje? - Diogo era um colega de curso de Filipa. Desde do início do último ano do curso que se fazia todo o santo dia a ela. Chegou mesmo a convidá-la para sair, várias noites... mas a resposta foi sempre não... Ela era uma namorada dedicada que nunca faria nada para trair o namorado, estudante de medicina que trabalhava na morgue...
- Olha, por acaso esta noite não queres vir ao arraial da faculdade?
Filipa hesitou...
- Vá lá. Vai ser giro!
- Bom... acho que o Pedro também não vai querer fazer nada hoje. Deve estar a dormir que ontem teve banco... está bem..
E assim pipa foi, à noite com Diogo para o arraial, na condição de amiga... nessa mesma noite, Pedro, em movimentos semi-horizontais, deixava-se envolver com a guarda loira que dias mais tarde, pipa viria a conhecer.
*
- Vá lá Carlos, vai ser giro!
- Não me apetece! Já te disse! - Eu estava farto das saídas. Nunca conhecia ninguém, nunca ninguém reparava em mim! Estava farto de ser o encalhado, o rejeitado. Não queria mais sentir a rejeição. Por isso, recusei o convite da Pipa para ir ao Arraial. Além do mais...estava exausto. Tinha estado numa sessão com uma criança autista, com uma alteração brutal em termos de comunicação. Batia os pés. Mordia as pessoas e praticamente não falava, como quase todos os autistas. Estava exausto...
- Cortes!
- Cortes não! O que tu queres é alguém que te impeça de saltar para cima do moço!
- Carlos!
- É verdade! Agora com licença que estou mais do que podre e quero ir tomar banho...
- Bah! Ta bem! Va beijos
- Beijos, tchau. - desliguei.
Não tinha grande coisa para fazer nesse dia. Queria tomar o meu banho e ir para a cama. Decidi então ver o correio.
- Contas...contas...uma carta do seguro...mas...o que é isto? Que quer este parvo? - aquele nome era-me muito familiar... era o nome do homem que me havia tirado tudo. Tudo aquilo a que eu tinha direito. Era uma das causa do meu sofrimento . - Carlos. Preciso falar contigo. Quero resolver tudo. Aparece Às 22 no parque Conde Castro-Guimarães, s.f.f. - li
Li eu. Ainda não sabia se ia ou não... naquele momento, nada importava, nem mesmo a raiva que sentia... estava cansado.
Caminhei então para a casa de banho. A minha gata estava deitada sobre a minha cama,. Quando me viu, olhou-me bocejando e voltou a dormir... Na minha casa... um silêncio... o doloroso silêncio da solidão...
Abri a torneira e meti-me dentro do quente banho. Ali comecei a pensar no dia da minha morte... pensei naquele último dia, em que tinha a certeza de não mais querer viver... naquele dia em que me fartei da vida. Lembrei-me então dele... ele que me parecia ao principio, um verdadeiro deus. Aquele que tinha a certeza que seria meu para sempre. Mas não foi. Afinal era um demónio, um ser que só me queria ver sofrer....
Mas os outros diziam tão bem dele... pelos vistos, todos nós temos várias faces... Todos temos várias fachadas. Quantas vezes me havia dito que eu era convencido mas humilde. Quantas vezes me tinham dito que era complexo mas tão inocente...quantas vezes me tinham dito o quão contraditório era eu...
Naquele momento... entrei dentro de água... a água que se foi tornando salgada...com as minhas lágrimas de solidão...
Sabia que era muita coisa... mas o que tinha a certeza... é de que era solidão...


sexta-feira, março 02, 2007

Diário de Romeu, página 4

Diário,

Perdoa-me a rudeza com que te escrevo, mas por certo compreenderás a minha fúria ao leres as minhas palavras.

Oh, como sou infeliz longe de Verona, de minha casa, de meus pais, de meu bom Mercúrio, enfim, da vida que troquei por Julieta...Deus castiga-me por meus pecados, sei-o, sinto-o. Se existe um inferno, diário, é lá que vivo agora!

Para castigo do meu corpo mandou-me Deus para servir de ferreiro. As minhas mãos, outrora tão belas, tornaram-se ásperas como o ferro que fundo o dia inteiro por alguns cobres. Julieta não as ama mais, sei-o, mas também elas anseiam cada vez menos por tocar naquela pele nívea à medida que se vão estragando.

E para que sofro estes tormentos, perguntais vós diário? Pois eu digo-vos que para nada! Nada! Que faz Julieta, minha esposa por desgraça, para me compensar? Passa os dias inteiros na rua, sabe Deus a fazer o quê, se bem que o meu coração sente que é apunhalado todas as tardes...E que compensação me oferece essa meretiriz? Nenhuma! Um jantar queimado e mal gostoso e um leito frio são o meu lar agora. Como me suga a alma esta vida, diário...torna-me mais animal que homem, mais um fardo na vida de Julieta do que umas benção como outrora...

Quanto mais penso nisto, diário, mais vontade tenho de me jogar aos pés de meu pai e pedir perdão por este meu erro, implorar que me acolha de novo onde a vida era doce e farta, onde ambundantes fêmeas rogavam de noite pelos meus beijos..o destino faz troça de mim...

PS: esqueci-me de vos contar, diário, que hoje o doce sabor da vingança me aflorou aos lábios e se estendeu em torrentes de prazer pelo meu corpo: lembras-te de Rosalina? A roliça de lindos seios? Ofereci-lhe esta noite duas pratas e ela de pronto me perdeu em seus braços...oh, felicidade divina que é ser bem amado!

quinta-feira, março 01, 2007

Diário da Julieta, página 4

Sinto-te tão distante...sinto-te apagado algures para longe do meu sentir. Romeu...como te amo...amei...amo...ai a minha cabeça? Que penso eu?! Ainda te amo...acho eu...
A minha cabeça crepita com ideias estranhas meu Romeu...no teu leito, já não tenho a satizfação. Tornaste te um estranho, um amigo...aos pedaços vou perdendo o teu amor...

Parece que o que dizem é verdade... nada é eterno...Tudo se desfaz...até o efeito deste elixir que provamos e jurámos provar para todo o sempre...

Perdoa-me...
Perdoa-me... por nada. Por aquilo que vou fazer... perdoa-me meu Romeu. Meu amigo... meu...meu amado Romeu, que o amopr que por ti sinto, se desfaz...
Perdoa-me estes lábios que ousaram beijar o peito de outro homem. Perdoa-me estas mãos que o despirão. Perdoa-me por me entregar a outro...

Perdoa-me por não mais te amar...
Perdoa-me...

*
Pousando o diário sobre a comóda do seu quarto, Julieta se deitou no leito com um Fidalgo, um amigo que os tinha ajudado no casamento. Naquele momento, tornaram-se um só. Não que as suas almas se tenham fundido... mas sim os seus corpos, na busca de o antídoto para o amor...