Contagem regressiva para o fim da alma - 5º dia
- Olá avó!- sentava-me naquele banco branco, naquele ambiente a cheirar a velho e cheio de gente deixada a morrer.
- Olha o meu netinho!- a minha avó Elisa, sentava-se naquela mesma mesa, onde todos os dias tomava o seu pequeno almoço e esperava pelas suas refeições e pela altura de ir dormir.
Vivia naquele lar, especializado em doentes de Alzeihmer, já há 6 anos. Estava quase com noventa, e aos poucos, a sua vida deixava-a, assim como outrora lhe tinha deixado a sua memória.
O meu avô vivia ainda longe dali, na zona do Estoril, mas mesmo com tanta lonjura entre eles, lá o velhote coxo e cansado se punha no autocarro, dia sim dia não, em direcção àquele lar no coração de Lisboa.
- Então e a tua mãe?
- Ela ainda não veio hoje?
- Não! Ainda não a vi. - os seus olhos diziam-me que não se lembrava da própria filha...
Para ela, aquela era uma senhora com os seus 60 anos, que a vinha visitar por amabilidade. E o marido? Era aquele cabrão que nunca a vinha ver! "Nem se quer uma vez por semana!".
Não se lembrava de mais ninguém, toda a gente era toda a gente. Menos eu...
Eu era o neto que tinha ajudado a criar, nos primeiros anos de vida, enquanto a minha mãe trabalhava no clube de ténis do Estoril. Na casa dela, tomara grande parte das sopas que alguma vez comi na minha vida. Na casa dela, aprendera coisas novas; Com ela, aprendera a ser infeliz.
E meu avô? Com ele tinha corrido, no tempo em que ele ainda corria. A ele tinha dito um dia "Quéo i binca com as bubaetas!". Com ele, não aprendera a ser egoísta!
Nesse momento, a minha mãe chegou.
- Olá Jony!
- Olá mãe!- beijamo-nos e abraçamo-nos com toda a força que tínhamos.
- Olha a senhora das quintas-feiras! É tão boazinha para mim! Se ao menos a parva da minha filha cá viesse para ver como é ser uma filha a sério!
A minha mãe quase chorou. Por muito que soubéssemos que aqueles eram os sintomas da doença, há coisas que dói sempre ouvir.
- Ai ai... então e tu, meu filho? Como vai a tua namorada?
Estava-me a confundir com alguém...
- Eu... eu já não tenho ninguém avó!- agora foi a minha vez de quase chorar... tinha deixado o Bernardo, ainda não fazia uma semana, e aquela ferida irritada ainda me dói no peito. - Bom avó... vou-me embora. Beijinhos.
Tinha de sair dali, antes de começar a chorar. A minha mãe compreendeu e com força consolou-me abraçando-me como se não houvesse dia de amanhã! Então comecei a chorar e ali me quedei por longos momentos, enquanto a minha avó começava a falar, de nada se apercebendo, com a vizinha do lado, queixando-se de que só o neto a vinha ver!
A minha mãe começou a chorar então, e o consolado, passou a consolador.
Aquela era a pessoa mais importante no mundo para mim. Aquela sim, tinha sido a mulher que me tinha ensinado a aguentar-me, a sustentar-me por mim próprio, sem depender das emoções de ninguém... ou teria mesmo?
O momento passou e despedimo-nos, não sabendo, que aquele seria o nosso último adeus...
*
- Gostaste do restaurante Joana?
- Adorei... e obrigado por me teres convidado...
- De nada, é sempre um prazer trazer uma rapariga bonita ao meu restaurante favorito!
- Então não fui a primeira que cá trouxeste? - troçou Joana
- Foste a minha primeiríssima aqui!
Joana sorriu... andava a sair com aquele rapaz há quase uma semana, saindo todos os dias com ele! Tinham ido ao cinema, ao parque, à praia e acidentalmente, à sua casa, no terceiro encontro!
- Então boa noite! E até amanhã! - Bernardo beijou-a.
- Bernardo! Não achas que já pudemos oficializar a coisa?
Bernardo hesitou... seria justo para Carlos, se ele começasse uma nova relação pesudo-séria agora? Cinco dias depois de terem terminado? A consciência de Bernardo logo se apagou com a visão que se seguiu: Ele deitado na sua cama, com Sofia sobre ele, e ao canto do quarto, junto à porta, Carlos chorando e berrando com eles, indignado!
"Eu já lhe fiz coisas bem piores..."- pensou e deixando aquele silêncio prolongado disse sorrindo - SIM!
Joana e Bernardo dormiram juntos de novo, agora no apartamento que Joana ocupava sozinha.
Aquela noite foi especial para eles, terminando com eles agarrando um ao outro, exaustos pela noite cansativa...
Para Carlos, a noite terminara com a sua gata deitada aos seus pés e com ele agarrado à almofada, adormecido pela exaustão de um dia de nervos e uma noite desgastante de choro...